Pular para o conteúdo principal

Mas era só o que me faltava: Não cabe Habeas Corpus para animais!

Habeas Corpus só pode ser concedido em benefício de seres humanos, e não de animais. Esse foi o entendimento, depois de muito debate, da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. O colegiado acompanhou o voto do relator, desembargador José Muiños Piñeiro Filho, e não conheceu do HC em favor do chimpanzé Jimmy. Em seu voto, o relator destacou que os animais não estão inseridos na situação prevista na Constituição, que estabelece que a concessão de HC só é válida se alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção.

José Muiños Piñeiro Filho afirmou que hoje, os animais podem ser beneficiados por meio de outras medidas, mas não do remédio constitucional. Os desembargadores também decidiram encaminhar, como direito de petição, os autos do processo para conhecimento da chefia do Poder Executivo de Niterói, das chefias dos Ministérios Públicos Federal e Estadual, do Ibama e das Comissões do Meio Ambiente do Senado, da Câmara dos Deputados e da Assembleia Legislativa do Rio. A ideia, explicou Muiños, é estimular o debate.

Evolução
No julgamento, foi discutido se o fato de o chimpanzé ter 99,4% do DNA idêntico ao do ser humano possibilitaria ao animal se beneficiar das mesmas garantias constitucionais do homem. Para Muiños, a lei determina que o HC somente é cabível para seres humanos. “Ainda que eu me sinta sensibilizado por todos os argumentos dos impetrantes, eu tenho que me limitar ao que diz o texto constitucional”, ressaltou.

O relator destacou que pesquisou muito sobre o assunto e que, apesar de estudos concluírem que o chimpanzé é o parente mais próximo do homem, o animal não pode ser considerado como pessoa, ou seja, um sujeito de direito. “O artigo 5º da Constituição Federal só se refere a pessoa humana. Será que os animais não teriam qualquer proteção jurídica? Por isso, acho que a hipótese teria que vir em uma Ação Civil Pública, por exemplo, porque aí sim se poderia fazer um juízo de cognição, se poderia até questionar eventualmente a inconstitucionalidade da legislação”, observou o desembargador.

Muiños também citou em seu voto a evolução e a história. Lembrou que, no Brasil, mulheres não tinham direitos políticos até 1932, porém, hoje, uma mulher preside o país. Falou ainda da Suprema Corte dos Estados Unidos, que já não conheceu uma ação que discutia escravidão, porque, na época, em 1873, o escravo era considerado um bem. Menos de 140 anos depois desse fato, o país elegeu seu primeiro presidente negro.

Tendo em conta a evolução social, o desembargador acredita ser possível que, no futuro, os animais também possam ter direito às mesmas garantias constitucionais do homem. “Mas com as leis que temos, hoje, não é possível conceder HC ao chimpanzé”.

Ao acompanhar o voto do relator, o desembargador José Augusto de Araújo Neto destacou que não se pode conceder o HC ao Jimmy porque seria uma forma do julgador driblar a lei. “Essa não é a missão do juiz. Dessa forma, ele se torna um autoritário, um ditador de regras”.

O caso
A ação possui mais de 30 impetrantes, entre eles organizações não-governamentais (ONGs), entidades protetoras de animais e pessoas físicas. Eles pedem a transferência do chimpanzé do zoológico de Niterói para um santuário de primatas no estado de São Paulo, sob a alegação de que o animal precisa de espaço e da companhia de outros indivíduos de sua espécie. O grupo afirma que Jimmy vive isolado há anos em uma jaula no zoológico. A Fundação Jardim Zoológico de Niterói (Zoonit) afirma, no entanto, que Jimmy é bem tratado e que está em uma jaula que atende plenamente às suas necessidades.

Precedentes
Em 2007, a 4ª Turma do Tribunal Federal da 3ª Região, com sede em São Paulo, concedeu HC em favor dos chimpanzés Lili e Megh. O colegiado mandou soltar os animais do cativeiro para que eles fossem devolvidos à natureza. Rubens Forte, dono e depositário fiel dos animais, recorreu ao Superior Tribunal de Justiça, afirmando que os animais têm o constitucional direito à vida, já que são geneticamente muito parecidos com os humanos. O caso está nas mãos do ministro Herman Benjamin, que pediu vista do pedido de HC.

Dois anos antes, a 9ª Vara Criminal de Salvador já havia negado Habeas Corpus que pedia a transferência da chimpanzé chamada Suíça, que vivia em uma jaula no zoológico de Salvador, para uma reserva ecológica localizada em Sorocaba, interior de São Paulo.
Processo 0002637-70.2010.8.19.0000


Fonte: Conjur c/ info TJ-RJ

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

STJ e o reconhecimento do tráfico privilegiado

Sem constatar adequada motivação para o afastamento do tráfico privilegiado — causa de diminuição de pena voltada àqueles que não se dedicam a atividade ilícita —, o ministro João Otávio de Noronha, do Superior Tribunal de Justiça, concedeu de ofício ordem de Habeas Corpus para reconhecer o direito de um condenado à minorante da sua pena. O magistrado determinou que o juízo de primeiro grau refaça a dosimetria da pena de acordo com tais premissas, bem como analise o regime inicial mais adequado à nova punição e a possibilidade de conversão da pena em restritiva de direitos. O homem foi condenado a sete anos e seis meses de prisão em regime fechado, além de 750 dias-multa, pela prática de tráfico de drogas. A pena-base foi aumentada levando-se em conta a quantidade de droga apreendida (157 quilos de maconha), o que levou à presunção de dedicação a atividades criminosas. O Tribunal de Justiça de São Paulo manteve a decisão, que transitou em julgado. O ministro relator lembr...

Lugar do crime: teoria da ubiquidade (CP) ou do resultado (CPP)?

Eudes Quintino de Oliveira Junior Muitas vezes, ao se analisar os dispositivos contidos em nossa legislação (sejam de direto material ou processual), verifica-se que há regras aparentemente distintas e contraditórias, o que fatalmente acarreta uma série de dúvidas aos operadores do Direito, sem falar ainda dos estudantes do bacharelado e dos concursos públicos. Com efeito, dispõe o artigo 6º, do CP, que: considera-se praticado o crime no momento da ação, ou da omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado. Já o artigo 70, do CPP, diz que a competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou , no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução. Pois bem, está caracterizada a aparente antinomia na área penal, em tema de lugar do crime. Os ventos são indicadores de furacão nos mares do sul. O CP diz que deve se considerar, como local onde praticada a infração penal, o lugar onde t...

Novo padrão probatório para testemunho policial em condenações criminais

Há tempos consolidou-se em nossos tribunais o entendimento pela validade dos depoimentos prestados por agentes estatais, havendo inclusive julgados afirmando que mereceriam maior crédito porque prestados por servidores, no exercício de suas funções. Entretanto, recentes decisões judiciais têm causado alteração no padrão de provas anteriormente exigido apontando no sentido de que as palavras dos policiais, como toda prova testemunhal, são passíveis de falhas, o que  recomenda (ou exige) a adoção, por parte do Estado, de cautelas maiores que a de simplesmente carrear à defesa o ônus de comprovar a parcialidade do agente ou de equívoco fático em seu testemunho. Não se pretende aqui colocar em xeque indistintamente a idoneidade dos agentes estatais, mas apenas apontar que a falibilidade de nossa memória e, portanto, da prova testemunhal em si, recomenda, como padrão probatório mínimo a fundamentar condenações criminais, a exigência de elementos outros, antes impossíveis devido ao "est...