Pular para o conteúdo principal
Escuta ilegal da Polícia causa anulação de flagrante
Por Rogério Barbosa

Não basta a alegação, pela autoridade policial, de que as escutas telefônicas foram realizadas mediante autorização judicial. É preciso que a comprovação material seja anexada ao processo. Com esse entendimento, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina concedeu Habeas Corpus e determinou a soltura de dois homens que estavam presos preventivamente, acusados de tráfico de drogas.

A primeira instância havia entendido que a falta de comprovação material da legalidade das escutas não afastava a credibilidade dos policiais que participaram da investigação e afirmaram em depoimento que a prisão dos dois homens se deu após investigação deflagrada com ajuda de escutas telefônicas que tinham a devida autorização judicial. A autorização nunca foi anexada aos autos.

Os policiais afirmaram que por meio das escutas, tiveram conhecimento do dia em que os homens negociariam drogas sintéticas. Assim, puderam segui-los e efetuar a prisão no exato momento em que a droga era trocada por uma arma.

De acordo com a decisão da primeira instância, “nem mesmo o fato de não ter sido esclarecido pelos policiais qual juízo teria decretado a quebra do sigilo telefônico na qual foi descoberta a ação dos acusados é motivo suficiente para afastar a credibilidade dos seus depoimentos, já que pelo que consta a investigação era direcionada a combater facções criminosas que atuam no estado, sendo que no decorrer do monitoramento restou demonstrado o envolvimento do acusado no comércio de drogas sintéticas, razão pela qual os policiais passaram a investigá-los e descobriram aquela negociação de entorpecentes que culminou na apreensão dos comprimidos de 'ecstasy'”.

Mas para o desembargador Newton Varella Júnior, todas as provas produzidas em juízo, e que deram respaldo à sentença condenatória, somente foram possíveis em razão daquelas interceptações telefônicas, e que apenas em decorrência delas é que se pode chegar aos réus, realizar as campanas e flagrá-los na prática dos delitos que lhes foram imputados.

Segundo ele, a interceptação telefônica de qualquer pessoa depende sempre de autorização judicial, por decisão fundamentada e, ainda, desde que comprovada a necessidade da medida, como determina a Lei 9.296/1996. “Ocorre que tanto o teor das interceptações telefônicas referidas pelos agentes policiais quanto as respectivas autorizações judiciais não estão acostadas aos autos, o que seria imprescindível para os acusados delas conhecer, em observância aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa informadores do devido processo legal”, afirmou.

Ainda de acordo com o desembargador, a juntada das autorizações das escutas no processo é necessária para possibilitar a verificação da legalidade da produção da prova e, por consequência, das dela decorrentes, “lembrando que nosso ordenamento pátrio adota a chamada 'ilicitude por derivação', advinda da doutrina dos 'frutos da árvore envenenada' (fruit of the poisonous tree), positivada no parágrafo 1º do artigo 573 do Código de Processo Penal: 'A nulidade de um ato, uma vez declarada, causará a dos atos que dele diretamente dependam ou sejam consequência'”, explicou.

“Por conta disso, forçoso reconhecer que a sentença ora recorrida é nula, uma vez que proferida sem que a existência e a legalidade das interceptações telefônicas que deram origem a todas as demais provas fossem devidamente verificadas”, afirmou o Varella Júnior ao aceitar o HC e determinar a soltura dos acusados que já estavam presos preventivamente há mais de um ano e seis meses, e a remessa do processo a fase instrutora.

Clique aqui para ler a decisão

Apelações Criminais 2011.045010-6 e 2011.045011-3


Fonte: Conjur

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

STJ e o reconhecimento do tráfico privilegiado

Sem constatar adequada motivação para o afastamento do tráfico privilegiado — causa de diminuição de pena voltada àqueles que não se dedicam a atividade ilícita —, o ministro João Otávio de Noronha, do Superior Tribunal de Justiça, concedeu de ofício ordem de Habeas Corpus para reconhecer o direito de um condenado à minorante da sua pena. O magistrado determinou que o juízo de primeiro grau refaça a dosimetria da pena de acordo com tais premissas, bem como analise o regime inicial mais adequado à nova punição e a possibilidade de conversão da pena em restritiva de direitos. O homem foi condenado a sete anos e seis meses de prisão em regime fechado, além de 750 dias-multa, pela prática de tráfico de drogas. A pena-base foi aumentada levando-se em conta a quantidade de droga apreendida (157 quilos de maconha), o que levou à presunção de dedicação a atividades criminosas. O Tribunal de Justiça de São Paulo manteve a decisão, que transitou em julgado. O ministro relator lembr...

Lugar do crime: teoria da ubiquidade (CP) ou do resultado (CPP)?

Eudes Quintino de Oliveira Junior Muitas vezes, ao se analisar os dispositivos contidos em nossa legislação (sejam de direto material ou processual), verifica-se que há regras aparentemente distintas e contraditórias, o que fatalmente acarreta uma série de dúvidas aos operadores do Direito, sem falar ainda dos estudantes do bacharelado e dos concursos públicos. Com efeito, dispõe o artigo 6º, do CP, que: considera-se praticado o crime no momento da ação, ou da omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado. Já o artigo 70, do CPP, diz que a competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou , no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução. Pois bem, está caracterizada a aparente antinomia na área penal, em tema de lugar do crime. Os ventos são indicadores de furacão nos mares do sul. O CP diz que deve se considerar, como local onde praticada a infração penal, o lugar onde t...

Novo padrão probatório para testemunho policial em condenações criminais

Há tempos consolidou-se em nossos tribunais o entendimento pela validade dos depoimentos prestados por agentes estatais, havendo inclusive julgados afirmando que mereceriam maior crédito porque prestados por servidores, no exercício de suas funções. Entretanto, recentes decisões judiciais têm causado alteração no padrão de provas anteriormente exigido apontando no sentido de que as palavras dos policiais, como toda prova testemunhal, são passíveis de falhas, o que  recomenda (ou exige) a adoção, por parte do Estado, de cautelas maiores que a de simplesmente carrear à defesa o ônus de comprovar a parcialidade do agente ou de equívoco fático em seu testemunho. Não se pretende aqui colocar em xeque indistintamente a idoneidade dos agentes estatais, mas apenas apontar que a falibilidade de nossa memória e, portanto, da prova testemunhal em si, recomenda, como padrão probatório mínimo a fundamentar condenações criminais, a exigência de elementos outros, antes impossíveis devido ao "est...