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Águas de Março: Tom Jobim em Sentença

"Previsíveis, chuvas não são motivo de força maior"
Por Marina Ito

"São as águas de março fechando o verão. É a promessa de vida no teu coração..." O trecho da famosa música de Tom Jobim foi um dos fundamentos usados pelo desembargador Marcelo Buhatem, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, para condenar a Ampla, concessionária de energia elétrica, a indenizar em R$ 5 mil, por danos morais, ums consumidora que ficou alguns dias entre março e abril sem ter luz em casa.

O desembargador lembrou que é notório o estrago que os temporais provocam em todo o estado nessa época do ano. "A ocorrência de fortes chuvas, apesar de ser inevitável, não constitui fato imprevisível, principalmente, no mês de março", escreveu na decisão.

De acordo com os autos, durante os meses de março e abril de 2010, a cliente da concessionária teve o serviço suspenso por 16 vezes. Ela alegou que, depois de um temporal, no meio do mês de março, o serviço ficou suspenso por 24 horas no bairro onde mora, sendo que na casa dela e em outras cinco vizinhas faltou energia por dois dias. Em abril, voltou a faltar energia. Foi neste mês que aconteceu, em Niterói, cidade vizinha a São Gonçalo, o desmoronamento do Morro do Bumba, onde morreram mais de 50 pessoas depois de ser atingido pelas fortes chuvas.

Ao analisar a ação, o desembargador entendeu que a empresa não comprovou que se empenhou para solucionar o problema. "O dano moral está configurado e decorre da interrupção reiterada de serviço de natureza essencial e do comportamento desidioso da apelada que ignorou as solicitações do autor", disse Buhatem. Para o desembargador, o caso extrapola o simples aborrecimento.

A empresa reconheceu a falta de energia em março, mas alegou caso de força maior. O temporal, sustentou, provocou descargas elétricas que atingiram a rede de alta tensão que atende a consumidora. Também disse que o fornecimento de energia foi normalizado em tempo razoável.

Em primeira instância, a juíza Larissa Pinheiro Schueler, da 4ª Vara Cível de São Gonçalo (RJ), negou o pedido da consumidora. "Houve caso fortuito que gerou a interrupção do serviço", afirmou a juíza, considerando o temporal que atingiu a região no meio de março. Ela também entendeu que cabia à cliente comprovar as demais interrupções, ainda que fosse com o depoimento de testemunhas.

A consumidora recorreu ao TJ fluminense. O desembargador Marcelo Buhatem, relator da Apelação, entendeu que há prova mínima com relação às demais interrupções de energia. Ele levou em conta os diversos números de protocolos abertos juntos à concessionária. "Caberia a ré [concessionária de energia], que não se desincumbiu do seu ônus, de demonstrar a regularidade do fornecimento do serviço à unidade consumidora da autora, nos horários e datas questionados."

Clique aqui para ler a decisão.

Fonte: Conjur

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