Pular para o conteúdo principal

Competência dos juizados especiais em debate no STF

A competência dos juizados especiais cíveis e criminais para processar e julgar determinadas causas, como as que tratam de indenização por danos materiais, tem sido assunto recorrente em diversos debates do Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF). Devido à polêmica, os ministros da Corte buscam analisar o tema durante o julgamento dos recursos extraordinários (REs) e agravos de instrumento (AIs) oriundos dos JEs que tramitam no Supremo: de 2005 a setembro de 2010, foram 79.944.

No último dia 15 de setembro, véspera do aniversário de 15 anos da Lei nº 9.099/1995 – a Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais –, o Supremo voltou a discutir o assunto, na análise do Recurso Extraordinário (RE) 537427, interposto pela empresa de tabaco Souza Cruz S/A contra ação de indenização que a condenou ao pagamento de danos materiais a um suposto consumidor de seus cigarros. A conclusão do julgamento, no entanto, foi suspensa e será retomada com voto-vista do ministro Ayres Britto.

No RE interposto no STF, a empresa do ramo de tabaco alega incompetência absoluta de juizado especial cível de São Paulo para julgar demandas complexas “do ponto de vista fático-probatório”. Condenada ao pagamento de indenização por danos materiais em razão dos males que o consumo de cigarros por 44 anos teria causado à saúde de um dos consumidores, entre eles a dependência, a empresa contesta a ação movida pelo consumidor, segundo a qual ele seria dependente do produto e a propaganda da empresa seria enganosa. Mas, no entendimento da Souza Cruz, o fundamento jurídico do pedido estaria baseado “em uma imaginária responsabilidade civil objetiva”.

Inconformada com a decisão do juizado paulista, a empresa interpôs o RE 537427, sob os argumentos de que com base no Código de Defesa do Consumidor (CDC) não existe responsabilidade objetiva da empresa porque o cigarro não é um produto defeituoso, os riscos associados ao seu consumo têm sido largamente divulgados há décadas e, portanto, são razoavelmente esperados, e sua propaganda não é enganosa por omissão. Alegou também que não há responsabilidade civil subjetiva, já que a atividade da empresa é lícita, e não há nexo causal, pois o consumidor não está doente e a suposta dependência não foi provada, sendo apenas presumida.

Com todos esses argumentos, a Souza Cruz pede ao Supremo que dê provimento ao recurso extraordinário para que a ação indenizatória seja julgada improcedente. Solicita ainda o reconhecimento de incompetência absoluta do juizado especial para processar e julgar o caso, bem como a anulação da decisão questionada para que sejam produzidas as provas anteriormente negadas.

Até o momento, votaram pela incompetência do juizado especial para o julgamento da causa o relator, ministro Marco Aurélio, e os ministros Dias Toffoli, Joaquim Barbosa e Cármen Lúcia.

Competência do STF

Outra polêmica gerada em torno da atuação dos juizados especiais é a competência do STF para reexaminar as decisões das turmas e dos colégios recursais JEs. No último dia 19 de agosto, os ministros decidiram que não compete ao Supremo processar e julgar, originariamente, pedido de habeas corpus impetrado contra decisão de turma recursal vinculada ao sistema de juizados especiais. O assunto foi levado a debate no Plenário durante a análise do Habeas Corpus (HC) 104892, que foi negado pela Corte com base nesse reiterado entendimento. O HC foi impetrado em favor da advogada Luciene Cristine Valle de Mesquita, condenada pelo delito de “comunicação falsa de crime ou de contravenção”.

Na ocasião, o decano da Corte, ministro Celso de Mello, lembrou que o Plenário, no julgamento do HC 86834, reformulou sua orientação jurisprudencial sobre o tema, passando a entender que compete a Tribunal de Justiça ou a Tribunal Regional Federal, e não ao STF, a atribuição para apreciar, em sede originária, pedido de habeas corpus impetrado contra decisão de turma recursal dos juizados especiais. Com o mesmo entendimento foram julgados os HCs 89630, 89916 e 101014.

Na retomada do julgamento do RE 537427, no dia 15 de setembro, o ministro Marco Aurélio voltou a discutir o assunto a competência do Supremo para analisar processos advindos dos juizados especiais. No caso do recurso extraordinário interposto pela empresa Souza Cruz S/A, segundo o ministro, a competência da matéria é do Supremo e não do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Isso porque o caso diz respeito à controvérsia de grande complexidade.

De acordo com o relator do caso, a delimitação primeira dos juizados quanto à sua competência está na Constituição Federal, “que é a lei máxima do país e que a todos submete”. “Os juizados devem julgar, no campo penal, as causas em que o crime não é de gravidade maior, e no campo cível, as causas que não apresentem complexidade. O rito é muito célere, não há espaço para uma dilação probatória projetada e de maior envergadura”, destaca o ministro Marco Aurélio.

No entendimento do ministro, no caso concreto, haveria a necessidade de se fazer prova pericial, já que com ela, de início, se pressupõe a complexidade da causa. No entanto, conforme Marco Aurélio, não há espaço nos juizados especiais para se ter a prova pericial. Além disso, segundo ele, este é um caso “momentoso” (grave ou importante no momento) porque diz respeito à dependência causada pelo cigarro e à comercialização dos produtos das empresas tabagistas.

“Essas causas devem ser julgadas, para até mesmo não se ter a sobrecarga dos juizados especiais, pela justiça dita comum. Vamos preservar essa exitosa experiência dos juizados especiais. Não vamos enforcá-los como se eles fossem a solução para a problemática do Judiciário brasileiro, para a problemática do emperramento da máquina judiciária”, conclui o ministro.

Repercussão geral

O Plenário Virtual do STF reconheceu repercussão geral ao tema tratado no julgamento do RE 567454: a questão da competência da Justiça Estadual e respectivos juizados especiais para decidir sobre a possibilidade de cobrança de assinatura básica de telefonia. O Tribunal conheceu parcialmente do recurso, no mérito, positivando a competência da Justiça Estadual e juizados especiais, deixando de conhecer da questão infraconstitucional (a possibilidade da cobrança).
Fonte: STF

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Presidente do STJ suspende prisão de homem detido por dirigir embriagado

A prisão preventiva para quem comete o crime de embriaguez ao volante — que tem pena de detenção de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter permissão para dirigir — é medida excessiva e deve ser substituída por outra mais leve. Esse entendimento foi adotado pelo presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Humberto Martins, para conceder Habeas Corpus a um homem de Minas Gerais que foi preso por dirigir seu veículo sob o efeito de álcool. Por decisão da Justiça mineira, a prisão em flagrante foi convertida em preventiva. Além disso, a fiança arbitrada anteriormente foi revogada com a justificativa de que "o acusado solto trará sensação de intrepidez à lei e, como já foi flagrado outras vezes embriagado na condução do veículo, poderá haver comprometimento da ordem pública". A defesa, então, entrou com pedido de Habeas Corpus com a alegação de que o motorista, um idoso de 60 anos, está acometido por doença grave, s...

Novo padrão probatório para testemunho policial em condenações criminais

Há tempos consolidou-se em nossos tribunais o entendimento pela validade dos depoimentos prestados por agentes estatais, havendo inclusive julgados afirmando que mereceriam maior crédito porque prestados por servidores, no exercício de suas funções. Entretanto, recentes decisões judiciais têm causado alteração no padrão de provas anteriormente exigido apontando no sentido de que as palavras dos policiais, como toda prova testemunhal, são passíveis de falhas, o que  recomenda (ou exige) a adoção, por parte do Estado, de cautelas maiores que a de simplesmente carrear à defesa o ônus de comprovar a parcialidade do agente ou de equívoco fático em seu testemunho. Não se pretende aqui colocar em xeque indistintamente a idoneidade dos agentes estatais, mas apenas apontar que a falibilidade de nossa memória e, portanto, da prova testemunhal em si, recomenda, como padrão probatório mínimo a fundamentar condenações criminais, a exigência de elementos outros, antes impossíveis devido ao "est...

Lugar do crime: teoria da ubiquidade (CP) ou do resultado (CPP)?

Eudes Quintino de Oliveira Junior Muitas vezes, ao se analisar os dispositivos contidos em nossa legislação (sejam de direto material ou processual), verifica-se que há regras aparentemente distintas e contraditórias, o que fatalmente acarreta uma série de dúvidas aos operadores do Direito, sem falar ainda dos estudantes do bacharelado e dos concursos públicos. Com efeito, dispõe o artigo 6º, do CP, que: considera-se praticado o crime no momento da ação, ou da omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado. Já o artigo 70, do CPP, diz que a competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou , no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução. Pois bem, está caracterizada a aparente antinomia na área penal, em tema de lugar do crime. Os ventos são indicadores de furacão nos mares do sul. O CP diz que deve se considerar, como local onde praticada a infração penal, o lugar onde t...