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As cidades e a violência urbana...

Violência Urbana

Entrevista concedida à Revista de Debates da Fundação Verde Herbert Daniel “Pensar Verde”, N° 3 Ano 1, Dez/Jan/Fev de 2012.


Para dar prosseguimento às discussões e fazer o debate em cima dos dados do Mapa da Violência, o professor Luís Antônio Francisco de Souza ressaltou a temática e a dramaticidade do quadro. Sua apresentação teve foco na necessidade existente no Brasil em se criar, desenvolver e monitorar políticas públicas de caráter preventivo e com foco na juventude brasileira.

Antes, porém de listar suas contribuições, o professor Luís Antônio, ao enfatizar que as estatísticas ajudam a pautar políticas públicas, lamentou que no Brasil, os dados de Saúde ainda sejam melhores do que os dados de Segurança Pública para se traçar o perfil da violência no país.

Nessa linha, ele pontuou a necessidade de que os Estados se responsabilizem pela coleta dos dados de morte e suas causas, uma vez que a melhor qualidade dos dados está diretamente relacionada à eficiência na formulação de novas políticas públicas de enfrentamento e prevenção da violência.

Com os dados do Mapa da Violência, é possível olhar localmente a violência urbana e sua distribuição, sem esquecer-se das outras formas de violências que não estão na área urbana, como trabalho escravo e causa indígena. Nesta análise, o professor Luís Antônio destacou a importância de se ter dados georreferenciados, que é pouco utilizado no Brasil.

O Boletim de Ocorrência com atestado de óbito precisam juntos determinar exatamente o local em que a violência está acontecendo para focalização de políticas publicas. Quando se tem mapas, esse quadro fica mais cristalino.

“Quando se fala em cidades mais violentas, não é em sua totalidade, pois há uma distribuição socioespacial da letalidade, que vão apontar, por exemplo, para novas fronteiras agrícolas, de desmatamento, que são acompanhadas de morte e violência. Precisamos associar a questão da violência às condições socioambientais”, define o professor ao explicar a relevância de se ter dados preciso.

O Observatório de Segurança Pública, coordenado por Luís Antônio Souza, é um projeto de acompanhamento de boas práticas em segurança pública disseminado pelo estado de São Paulo, que tem 33 unidades em 33 municípios, graças ao alcance da Universidade do Estado de São Paulo (Unesp). O Observatório de Segurança Pública pode ser acessado em www.observatoriodeseguranca.org.

A criação e manutenção de observatórios como esses são fundamentais para direcionar as ações municipais. Além de melhorar os dados estatísticos, é possível estudar as características de cada região violenta e propor políticas públicas mais específicas, desta forma, eficientes.

Um exemplo da importância de focalização de políticas públicas para a juventude é melhora na letalidade de adultos, sobretudo da Região Sudeste. Portanto, essa melhora não foi tão boa, quando analisamos o Brasil por inteiro, inclusive ao apontar que há lugares em que os números pioraram muito.

Esses índices, segundo o professor, remetem à necessidade de discutir a letalidade, inclusive dos jovens, e de apoiar municípios dentro de uma Política Nacional apontada para a Juventude.

“O Estatuto da Juventude está atrasadíssimo. Precisamos aprovar o Estatuto, precisamos criar políticas para os jovens. É um absurdo que o Brasil, depois de dados tão alarmantes, não tenha secretarias da juventude em todos os Estados brasileiros. É um absurdo não termos uma Secretaria Nacional de Juventude. É um absurdo não termos políticas públicas voltadas para um segmento que está em alta vulnerabilidade social”, sentencia Luís Antônio.

O professor sugere ainda uma visão mais ampla que abarque o problema, como aumentar a abrangência etária em que é defendida a juventude brasileira. Já é sabido que o contato com drogas nas escolas, atualmente, acontece na pré-adolescência, o que reforça a formulação de ações preventivas para jovens com menos de 13 anos, por exemplo.

Na sua visão, o jovem que se envolve com o crime tem suas perspectivas prejudicadas, já que na nossa atual conjuntura, seguem basicamente duas alternativas: cárcere e morte. O que reforça que se deve levar à sério a formulação de diretrizes no âmbito dos Estados e, sobretudo, dos municípios no que diz respeito a criação de políticas com caráter social e preventivo e não de polícia, de repressão.

Segundo Luís Antônio, o Estado de São Paulo tem a maior taxa de encarceramento do país, respondendo a quase 50% dos casos. O Estado tem promovido a interiorização via cárcere, e boa parte das pessoas estão na faixa da juventude. Uma juventude, que se envolve cada vez mais com o crime, fica longe da ressocialização, uma vez que já faz parte da rede de criminalidade.

“Me permitam uma fala polêmica: a política repressiva tem contribuição no aumento da criminalidade, ela não a reduz”, afirma ao reforçar a necessidade da criação de políticas públicas de caráter social/preventivo.
Olha-se o município, mas sem estudá-lo “Mesmo ficando de olho na interiorização da violência, não se pode baixar a guarda nas regiões metropolitanas, que por sua vez, não podem ser analisadas isoladamente. Precisamos observar que as atuais políticas públicas expulsam a violência das capitais para as regiões metropolitanas e depois promovem essa interiorização.” Segundo ele, as atitudes que estão sendo tomadas no Rio de Janeiro irão comprovar essa tendência, cuja pacificação da capital está exportando o crime para a região metropolitana.

A solução, segundo Luís Antônio, é adotar políticas públicas locais, municipais, a partir de uma perspectiva nacional. Ou, no mínimo, fazer uma estratégia estadual para não reproduzir o que se tem feito: jogar o problema da violência para o Estado ou município vizinho.

Ele aponta como um dos caminhos de combate à violência, a criação de políticas públicas integradas e articuladas, principalmente nas regiões metropolitanas. Essas regiões precisam ser estudadas em seu conjunto, e os bons resultados precisam ser compartilhados.

A questão dos municípios, para Luís Antônio, é mais dramática porque são os mais vulneráveis, inclusive em recursos orçamentários. O professor citou que as experiências mais bem-sucedidas são aquelas que tiveram foco na juventude, mas de caráter social e preventivo, como em Diadema (SP) e Guarulhos (SP).

“Ao reduzir a letalidade de jovens, consegue-se reduzir a taxa global de mortes no Brasil”

A política pública, para ter efeito sobre a letalidade dos jovens, tem de ser local, envolver municípios, abranger aqueles locais onde a letalidade é maior. A focalização se encontra em jovens de periferia não brancos, desempregados e fora da escola.

O problema, reforça Luís Antônio, é que os jovens estão sendo tratados como problemas sociais e não como protagonistas das próprias soluções. Não são engajados nas políticas públicas porque o Brasil ainda vê os jovens na perspectiva de que ele é o algoz da violência.

O alerta do professor abrange também a mídia brasileira, que reforça o estereótipo do jovem como agressor, problemático, aquele que provoca a insegurança e é culpado pela violência.

“As estatísticas mostram que os jovens não estão entrando tanto no crime, muito menos da maneira que a mídia está mostrando. Os jovens, na verdade, são vítimas de uma violência perfeitamente evitável.”

O que fazer para mudar?

Ao elaborar uma lista sucinta, Luís Antônio frisa a necessidade de um novo paradigma diferente, processo iniciado em 2002 e aprofundado com o PRONASCI, que aponta para uma nova maneira de discutir sobre segurança pública:

• Segurança Pública é problema social que não pode ser confundida com justiça criminal;
• Segurança Pública não é um problema do Estado, é um problema público, da sociedade civil, que tem criado suas próprias soluções;
• Municípios estão adotando medidas problemáticas (segurança privada, toque de recolher, detenção por vadiagem, fechar bares);
• Segurança Pública precisa ter caráter preventivo;
• Necessidade de responsabilização, ou seja, que não se faça vista grossa à corrupção, violência policial, falta de transparência. É fundamental que o Estado não seja visto como vetor de insegurança. Deve-se ter padrões altos de responsabilização pública;
• Adesão aos princípios de liberdade, direitos humanos e respeito ao cidadão;
• Ênfase em planos de segurança;
• Maior envolvimento da sociedade civil;
• Criação de redes locais de bons profissionais na área de segurança pública;
• Capacitação e formulação de bons gestores de segurança pública;
• Necessidade de inter-secretarias com foco na juventude.

Uma sugestão do professor Luís Antônio é que esse novo paradigma, com ênfase menos na punição e mais na qualidade de vida, seja parte integrante das discussões sobre qualidade de vida nos municípios.

“Meio ambiente, cultura, lazer se tornam essenciais no combate à violência, sobretudo nos índices de morte dos jovens. Aliás, são temáticas nas quais os jovens se envolvem mais. Eles precisam ser considerados atores das próprias soluções”.

Ao final de sua apresentação, aos responder à participação dos internautas, o professor reforçou que não é possível fazer política pública sem elevar o rigor da administração pública, tanto com maior responsabilização dos agentes públicos quanto provendo mais estímulo na formação de gestores e de policiais.

E para finalizar, Luís Antônio reforçou a necessidade de desmistificar a ideia de que o jovem está mais violento, uma vez que ele é uma vítima do processo. E convidou os presentes a abraçarem a mudança de paradigma, que não exclui o poder de polícias, mas dá mais ênfase à prevenção. Tal mudança pode ser alcançada pela instituição da reforma da segurança pública e reformulação da atuação das polícias e evitar que essas instâncias continuem atuando isoladamente.


Fonte: Atualidades do Direito

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