Pular para o conteúdo principal

Júri deve avaliar credibilidade de depoimentos, decide juiz ao pronunciar GCM

A credibilidade dos depoimentos das testemunhas não pode ser colocada em xeque na fase processual em que o juiz decide pela submissão ou não de alguém a julgamento popular, porque tal análise cabe aos jurados.

Com essa fundamentação, o juiz Felipe Esmanhoto Mateo, da Vara do Júri de Praia Grande, no litoral de São Paulo, pronunciou um guarda civil do município acusado de matar, durante o serviço, um comerciante com três tiros. A defesa do réu alega "legítima defesa".

"Certo é que os indícios são suficientes à pronúncia do réu, porquanto a dúvida pela vertente da prova e pela credibilidade a ser conferida a cada relato, bem como a avaliação dos atos praticados, há de ser dirimida pelos julgadores naturais da causa", justificou Mateo.

Conforme o magistrado, há indícios suficientes para pronunciar o réu, nos termos do artigo 413 do Código de Processo Penal, "sendo desnecessária a menção de outros elementos probatórios, pois o crime precisa estar provado e a autoria ser pelo menos provável".

Spray de pimenta e tiros
O comerciante Antônio Ramos Paiva Ferreira foi morto no dia 3 fevereiro de 2019. Ele voltava da praia acompanhado da mulher e do filho do casal, na época, com apenas 2 anos de idade. O homem pedalava uma bicicleta, enquanto a mulher e a criança seguiam em outra.

Em dado momento, um carro atingiu levemente a bicicleta conduzida pela vítima. Uma viatura da Guarda Civil Municipal (GCM) passava pelo local, sendo a sua guarnição acionada pelo comerciante.

Câmera de segurança da Prefeitura de Praia Grande mostra o momento em que um dos guardas se aproxima do motorista do automóvel e o cumprimenta, liberando-o em menos de um minuto. Esse equipamento ou outro não filmaram o crime, ocorrido a poucos metros.

Conforme a mulher, o marido sentiu-se menosprezado e começou a cobrar os guardas pela liberação do motorista. A partir daí, o réu jogou spray de pimenta no rosto do comerciante, que ainda levou três tiros e morreu no local.

Testemunhas protegidas
Segundo três pessoas que depuseram na qualidade de testemunhas protegidas, a vítima não investiu contra o réu e ficou desorientada ao ser atingida pelo spray de pimenta. Elas foram identificadas pelo assistente da acusação, advogado Rui Elizeu de Matos Pereira.

Apesar de afirmar que "não presenciou as vias de fato", o colega de farda do réu declarou ter escutado o barulho de tiro e, em seguida, percebido o acusado caído sobre o comerciante no asfalto. Segundo essa testemunha, a vítima estava "agressiva" e tentou tirar o réu da viatura.

O acusado portava uma pistola calibre 380 pertencente à GCM. Ele alegou que a vítima "grudou" na arma, conseguindo arrancá-la. Para recuperá-la, o agente disse que entrou em luta corporal com o comerciante, ocorrendo os três disparos durante esse embate.

Em relação ao uso de spray de pimenta, que antecedeu os tiros, o réu alegou que a vítima estava "estressada" e tentou "acalmá-la" com esse tipo de gás lacrimogêneo. O acusado também narrou que a reação do comerciante foi a de agredi-lo com um soco na testa.

Laudo pericial
A versão do réu foi ratificada por uma testemunha, que contou conhecê-lo "de vista" e estar passando pelo local no momento dos tiros. Com base nesse depoimento e na narrativa do acusado, a defesa requereu a absolvição sumária do guarda por legítima defesa.

Porém, conforme o magistrado, uma "prematura absolvição" deve ser respaldada por um conjunto probatório livre de dúvidas, "o que não se verifica, justamente por conta dos indícios e evidências juntados", justificando a submissão da causa ao tribunal do júri.

A decisão do julgador foi liberada nos autos na última quinta-feira (4/5). Nela, ele cita que um dos disparos atingiu as nádegas da vítima e foi efetuado de cima para baixo. "Desta feita, ao menos nessa quadra processual, não há que se falar em absolvição sumária por legítima defesa".

Conforme o laudo necroscópico, os demais tiros acertaram a vítima na parte superior esquerda do peito e na região próxima à axila direita. O Ministério Público denunciou o guarda municipal por homicídio simples, cuja pena varia de seis a 20 anos de reclusão.

1500293-56.2019.8.26.0477


Por Eduardo Velozo Fuccia
Fonte: Conjur

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

STJ e o reconhecimento do tráfico privilegiado

Sem constatar adequada motivação para o afastamento do tráfico privilegiado — causa de diminuição de pena voltada àqueles que não se dedicam a atividade ilícita —, o ministro João Otávio de Noronha, do Superior Tribunal de Justiça, concedeu de ofício ordem de Habeas Corpus para reconhecer o direito de um condenado à minorante da sua pena. O magistrado determinou que o juízo de primeiro grau refaça a dosimetria da pena de acordo com tais premissas, bem como analise o regime inicial mais adequado à nova punição e a possibilidade de conversão da pena em restritiva de direitos. O homem foi condenado a sete anos e seis meses de prisão em regime fechado, além de 750 dias-multa, pela prática de tráfico de drogas. A pena-base foi aumentada levando-se em conta a quantidade de droga apreendida (157 quilos de maconha), o que levou à presunção de dedicação a atividades criminosas. O Tribunal de Justiça de São Paulo manteve a decisão, que transitou em julgado. O ministro relator lembr...

Lugar do crime: teoria da ubiquidade (CP) ou do resultado (CPP)?

Eudes Quintino de Oliveira Junior Muitas vezes, ao se analisar os dispositivos contidos em nossa legislação (sejam de direto material ou processual), verifica-se que há regras aparentemente distintas e contraditórias, o que fatalmente acarreta uma série de dúvidas aos operadores do Direito, sem falar ainda dos estudantes do bacharelado e dos concursos públicos. Com efeito, dispõe o artigo 6º, do CP, que: considera-se praticado o crime no momento da ação, ou da omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado. Já o artigo 70, do CPP, diz que a competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou , no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução. Pois bem, está caracterizada a aparente antinomia na área penal, em tema de lugar do crime. Os ventos são indicadores de furacão nos mares do sul. O CP diz que deve se considerar, como local onde praticada a infração penal, o lugar onde t...

Novo padrão probatório para testemunho policial em condenações criminais

Há tempos consolidou-se em nossos tribunais o entendimento pela validade dos depoimentos prestados por agentes estatais, havendo inclusive julgados afirmando que mereceriam maior crédito porque prestados por servidores, no exercício de suas funções. Entretanto, recentes decisões judiciais têm causado alteração no padrão de provas anteriormente exigido apontando no sentido de que as palavras dos policiais, como toda prova testemunhal, são passíveis de falhas, o que  recomenda (ou exige) a adoção, por parte do Estado, de cautelas maiores que a de simplesmente carrear à defesa o ônus de comprovar a parcialidade do agente ou de equívoco fático em seu testemunho. Não se pretende aqui colocar em xeque indistintamente a idoneidade dos agentes estatais, mas apenas apontar que a falibilidade de nossa memória e, portanto, da prova testemunhal em si, recomenda, como padrão probatório mínimo a fundamentar condenações criminais, a exigência de elementos outros, antes impossíveis devido ao "est...