Pular para o conteúdo principal

STF aprova súmula que determina regime aberto para tráfico privilegiado

Quando o tráfico privilegiado é reconhecido e não há circunstâncias judiciais negativas, deve ser fixado o regime aberto, desde que o réu não seja reincidente. Além disso, a pena privativa de liberdade deve ser substituída por medidas restritivas de direitos, desde que o réu não seja reincidente específico.

Esse é o enunciado de uma nova súmula vinculante aprovada pela maioria do Plenário do Supremo Tribunal, em sessão virtual encerrada na última sexta-feira (12/5).

O tráfico privilegiado é uma causa de diminuição de pena prevista na Lei de Drogas. Ele se aplica quando o agente é primário, tem bons antecedentes, não se dedica a atividades criminosas e não integra organização criminosa.

Justificativa
Boa parte do enunciado foi baseado na fundamentação do ministro Dias Toffoli, que propôs a súmula em 2019, quando ainda era presidente da corte. Em seu voto, ele ressaltou que a determinação do regime inicial deve levar em conta a quantidade da pena imposta e as condições pessoais do condenado.

Quando o tráfico privilegiado é reconhecido e a pena-base é fixada no seu mínimo legal, todas as circunstâncias judiciais são favoráveis. Assim, para o magistrado, surge o direito ao regime aberto e à substituição da pena por medidas restritivas de direitos.

Na visão do ministro, causas de aumento de pena não são suficientes para se adotar o regime de cumprimento mais severo, pois não constituem circunstâncias judiciais (que são descritas no artigo 59 do Código Penal).

Toffoli ainda destacou que o STF vem concedendo diversos Habeas Corpus para fixar o regime aberto e substituir a pena por medidas restritivas de direitos em casos do tipo. Além disso, há uma quantidade expressiva de decisões semelhantes no Superior Tribunal de Justiça.

O ministro lembrou de precedente no qual o STF reconheceu que o tráfico privilegiado não tem natureza hedionda. Segundo ele, isso "reforça ainda mais o constrangimento ilegal da estipulação de regime inicial de cumprimento de pena mais gravoso, em especial o fechado, quando ausentes vetores negativos na primeira fase da dosimetria da pena".

Contexto
Em seu voto, que acompanhou o entendimento de Toffoli, Gilmar Mendes explicou que o Código Penal autoriza o regime aberto e a substituição da pena em condenações iguais ou inferiores a quatro anos. Essa é a duração de uma sanção quando o tráfico privilegiado é reconhecido e não existem circunstâncias judiciais negativas.

O ministro lembrou que o Supremo já declarou inconstitucional a obrigatoriedade da fixação do regime fechado para início do cumprimento de pena decorrente de condenação por crime hediondo ou equiparado (HC 111.840).

Para burlar tal entendimento, tribunais deixaram de usar a expressão "hediondez" e passaram a dizer apenas que o único regime adequado ao tráfico de drogas é o fechado.

Porém, para o magistrado, "a gravidade em abstrato do crime não é justificativa legítima, especialmente diante de primariedade do paciente, reconhecida com a valoração positiva das circunstâncias judiciais".

Ele destacou a Súmula 718 da corte, segundo a qual a opinião do juiz sobre a gravidade do crime não justifica a aplicação de regime mais severo do que o permitido segundo a pena, e a Súmula 719, que exige motivação idônea nessas circunstâncias. Além disso, a corte já validou a conversão da pena em medida restritiva de direitos em casos de crimes hediondos ou equiparados.

Ainda assim, juízos inferiores descumprem tais precedentes. Conforme pesquisas trazidas aos autos, um dos principais motivos para concessão de HCs no STF e no STJ é a falta de motivação concreta para a imposição de regime prisional mais gravoso.

Reincidência
Embora dez ministros tenham concordado com a necessidade de fixação do regime aberto e aplicação de medidas restritivas quando reconhecido o tráfico privilegiado, prevaleceu a divergência inaugurada por Edson Fachin, que acrescentou ao enunciado a questão da reincidência.

Segundo a alínea "c" do §2º do artigo 33 do Código Penal, o regime aberto deve ser fixado em caso de pena inferior a quatro anos se o réu não for reincidente. Para a substituição da pena, o impedimento ocorre se o réu não for reincidente pela prática do mesmo crime.

Fachin considerou necessário ressaltar tais regras na súmula. Ele foi acompanhado pelas ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber (presidente da corte) e pelos ministros Luiz Fux, Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, que formaram maioria. Toffoli, Gilmar, Kassio Nunes Marques e o recentemente aposentado Ricardo Lewandowski ficaram vencidos, com o enunciado que não abordava a reincidência.

Voto isolado
Já o ministro Marco Aurélio, que se aposentou em 2021, votou contra a edição da súmula. Como ele participou do julgamento antes da aposentadoria, seu sucessor, André Mendonça, não apresentou voto.

Marco Aurélio não verificou decisões suficientes da corte a ponto de formar uma jurisprudência sobre o tema. Para ele, tal medida, no campo penal, "há de ocorrer com a maior segurança possível". 

Além disso, o magistrado considerou que o tráfico privilegiado "não repercute, diretamente, no regime de cumprimento". De acordo com ele, se a pena-base é estabelecida acima do mínimo previsto, devido a circunstâncias judiciais negativas, é viável o regime mais severo, mesmo que seja aplicada a minorante.

Clique aqui para ler o voto de Toffoli
Clique aqui para ler o voto de Gilmar
Clique aqui para ler o voto de Fachin
Clique aqui para ler o voto de Alexandre
Clique aqui para ler o voto de Marco Aurélio
PSV 139


Por José Higídio
Fonte: Conjur

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

STJ e o reconhecimento do tráfico privilegiado

Sem constatar adequada motivação para o afastamento do tráfico privilegiado — causa de diminuição de pena voltada àqueles que não se dedicam a atividade ilícita —, o ministro João Otávio de Noronha, do Superior Tribunal de Justiça, concedeu de ofício ordem de Habeas Corpus para reconhecer o direito de um condenado à minorante da sua pena. O magistrado determinou que o juízo de primeiro grau refaça a dosimetria da pena de acordo com tais premissas, bem como analise o regime inicial mais adequado à nova punição e a possibilidade de conversão da pena em restritiva de direitos. O homem foi condenado a sete anos e seis meses de prisão em regime fechado, além de 750 dias-multa, pela prática de tráfico de drogas. A pena-base foi aumentada levando-se em conta a quantidade de droga apreendida (157 quilos de maconha), o que levou à presunção de dedicação a atividades criminosas. O Tribunal de Justiça de São Paulo manteve a decisão, que transitou em julgado. O ministro relator lembr...

Lugar do crime: teoria da ubiquidade (CP) ou do resultado (CPP)?

Eudes Quintino de Oliveira Junior Muitas vezes, ao se analisar os dispositivos contidos em nossa legislação (sejam de direto material ou processual), verifica-se que há regras aparentemente distintas e contraditórias, o que fatalmente acarreta uma série de dúvidas aos operadores do Direito, sem falar ainda dos estudantes do bacharelado e dos concursos públicos. Com efeito, dispõe o artigo 6º, do CP, que: considera-se praticado o crime no momento da ação, ou da omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado. Já o artigo 70, do CPP, diz que a competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou , no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução. Pois bem, está caracterizada a aparente antinomia na área penal, em tema de lugar do crime. Os ventos são indicadores de furacão nos mares do sul. O CP diz que deve se considerar, como local onde praticada a infração penal, o lugar onde t...

Novo padrão probatório para testemunho policial em condenações criminais

Há tempos consolidou-se em nossos tribunais o entendimento pela validade dos depoimentos prestados por agentes estatais, havendo inclusive julgados afirmando que mereceriam maior crédito porque prestados por servidores, no exercício de suas funções. Entretanto, recentes decisões judiciais têm causado alteração no padrão de provas anteriormente exigido apontando no sentido de que as palavras dos policiais, como toda prova testemunhal, são passíveis de falhas, o que  recomenda (ou exige) a adoção, por parte do Estado, de cautelas maiores que a de simplesmente carrear à defesa o ônus de comprovar a parcialidade do agente ou de equívoco fático em seu testemunho. Não se pretende aqui colocar em xeque indistintamente a idoneidade dos agentes estatais, mas apenas apontar que a falibilidade de nossa memória e, portanto, da prova testemunhal em si, recomenda, como padrão probatório mínimo a fundamentar condenações criminais, a exigência de elementos outros, antes impossíveis devido ao "est...