Pular para o conteúdo principal

Copa 2014: Interferência da Fifa afronta a soberania nacional

Por trás da Copa: Interferência da Fifa
afronta a soberania nacional
Por Wadih Damous**

O Poder Executivo Federal enviou ao Congresso Nacional Projeto de lei apelidado de Lei Geral da Copa. Por meio de tal diploma, pretende-se legislar sobre diversos aspectos relativos à Copa das Confederações Fifa de 2013 e à Copa do Mundo Fifa de 2014. As disposições contidas no projeto tratam de diversas matérias, tais como propriedade industrial, direitos de captação de imagem e som, criação de tipos penais e majoração de penas por crimes relacionados aos eventos, regras especiais sobre vistos de entrada para membros da FIFA e seus parceiros, regras sobre venda de ingressos e até mesmo a previsão de responsabilidade da União Federal de indenizar a Fifa no caso de danos causados a esta.

Por esta breve síntese, percebe-se que a intenção é criar uma lei, que deveria ter caráter de abstração e generalidade, em benefício exclusivo de uma entidade privada, com sede na Suíça, conforme consignado no próprio artigo 2º, I, do Projeto. E mais: em benefício de seus parceiros comerciais. A Fifa pretende ser a única fornecedora de todos os bens e serviços nos eventos desportivos mencionados, diretamente ou na qualidade de intermediária.

A iniciativa é inédita e de duvidosa constitucionalidade. As leis devem ser editadas, repita-se, com caráter de generalidade e abstração, sempre em prol da sociedade, e não para atender aos interesses, sobretudo econômicos, de um particular ou grupo de particulares. Caso aprovada e sancionada, tal lei violará o Princípio Republicano e diversos de seus consectários.

A Fifa, presumidamente, conhecia a legislação brasileira quando decidiu por realizar os jogos aqui.

Agora, com a anuência do Poder Executivo Federal, pretende cercar-se de garantias estapafúrdias, que criam direitos subjetivos que não são gozados pelas pessoas físicas e jurídicas nacionais. E muitas delas têm como ente passivo da obrigação o próprio poder público, por meio dos entes federativos envolvidos, em especial a União, os Estados e Municípios que sediarão jogos da Copa. Querem colocar à máquina pública a serviço de uma entidade privada.

Não bastasse o texto o Projeto original, tal como se encontra, conter tais vícios insuperáveis, agora a Fifa, segundo noticia a mídia, faz novas “exigências” ao Poder Executivo Federal, as quais devem ser atendidas pelo envio de proposta de emenda ao Projeto que já tramita no Congresso.

Em suma, tais “exigências” seriam: (i) a suspensão da eficácia do Código de Defesa do Consumidor durante a realização dos jogos; (ii) a permissão de venda casada de produtos diversos; (iii) a punição para quem desistir da compra de um ingresso; (iv) a não exigência de cobrança de meia-entrada a estudantes e idosos; (v) a permissão de venda de bebidas alcoólicas nos estádios, que é vedada pelo Estatuto do Torcedor; (vi) a majoração das penas para quem falsificar produtos oficiais da Copa.

A proposta é absurda e deve ser sonoramente rechaçada pelo Poder Executivo e pela sociedade como um todo. Trata-se de um ataque à soberania nacional. A tentativa, por parte de uma entidade privada, de criar verdadeiro regime jurídico de exceção durante a realização de competições esportivas, para atender exclusivamente, repita-se, a seus interesses econômicos e comerciais, diretos ou indiretos, além de criar privilégios injustificáveis para entrada e permanência de estrangeiros no país.

A legislação brasileira é mais do que adequada e suficiente para regular todas as questões afetas às competições que serão organizadas pela Fifa no Brasil, pois estabelece relações equilibradas entre os interesses econômicos em jogo e os direitos individuais envolvidos, seja de torcedores, de consumidores ou da sociedade em geral. O que se pretende é uma legislação patentemente desequilibrada em prol de interesses econômicos privados, o que é inadmissível perante nossa ordem Constitucional.

Aceitar a intromissão da Fifa significa retroceder em relação a direitos conquistados após muitas décadas, e o direito constitucional, como se sabe, não admite o retrocesso legislativo no que tange aos direitos individuais.

A sociedade deve reagir a essa verdadeira afronta à Soberania Nacional por parte de uma entidade privada. Como bem disse o senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), "Rasgar a Constituição é um preço muito alto pela Copa do Mundo".

** Wadih Damous é presidente da OAB-RJ

Fonte: Conjur

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Presidente do STJ suspende prisão de homem detido por dirigir embriagado

A prisão preventiva para quem comete o crime de embriaguez ao volante — que tem pena de detenção de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter permissão para dirigir — é medida excessiva e deve ser substituída por outra mais leve. Esse entendimento foi adotado pelo presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Humberto Martins, para conceder Habeas Corpus a um homem de Minas Gerais que foi preso por dirigir seu veículo sob o efeito de álcool. Por decisão da Justiça mineira, a prisão em flagrante foi convertida em preventiva. Além disso, a fiança arbitrada anteriormente foi revogada com a justificativa de que "o acusado solto trará sensação de intrepidez à lei e, como já foi flagrado outras vezes embriagado na condução do veículo, poderá haver comprometimento da ordem pública". A defesa, então, entrou com pedido de Habeas Corpus com a alegação de que o motorista, um idoso de 60 anos, está acometido por doença grave, s...

Novo padrão probatório para testemunho policial em condenações criminais

Há tempos consolidou-se em nossos tribunais o entendimento pela validade dos depoimentos prestados por agentes estatais, havendo inclusive julgados afirmando que mereceriam maior crédito porque prestados por servidores, no exercício de suas funções. Entretanto, recentes decisões judiciais têm causado alteração no padrão de provas anteriormente exigido apontando no sentido de que as palavras dos policiais, como toda prova testemunhal, são passíveis de falhas, o que  recomenda (ou exige) a adoção, por parte do Estado, de cautelas maiores que a de simplesmente carrear à defesa o ônus de comprovar a parcialidade do agente ou de equívoco fático em seu testemunho. Não se pretende aqui colocar em xeque indistintamente a idoneidade dos agentes estatais, mas apenas apontar que a falibilidade de nossa memória e, portanto, da prova testemunhal em si, recomenda, como padrão probatório mínimo a fundamentar condenações criminais, a exigência de elementos outros, antes impossíveis devido ao "est...

Lugar do crime: teoria da ubiquidade (CP) ou do resultado (CPP)?

Eudes Quintino de Oliveira Junior Muitas vezes, ao se analisar os dispositivos contidos em nossa legislação (sejam de direto material ou processual), verifica-se que há regras aparentemente distintas e contraditórias, o que fatalmente acarreta uma série de dúvidas aos operadores do Direito, sem falar ainda dos estudantes do bacharelado e dos concursos públicos. Com efeito, dispõe o artigo 6º, do CP, que: considera-se praticado o crime no momento da ação, ou da omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado. Já o artigo 70, do CPP, diz que a competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou , no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução. Pois bem, está caracterizada a aparente antinomia na área penal, em tema de lugar do crime. Os ventos são indicadores de furacão nos mares do sul. O CP diz que deve se considerar, como local onde praticada a infração penal, o lugar onde t...