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Marco Legal das Criptomoedas era necessário, mas deixa questões em aberto

O Marco Legal das Criptomoedas, sancionado nesta quinta-feira (22/12), traz uma maior segurança jurídica ao mercado de criptoativos, mas ainda deixa brechas. Há dúvidas quanto a qual será o ente regulador da aplicação das novas normas, além da ausência da questão da segregação patrimonial das exchanges, por exemplo. A avaliação foi feita por especialistas ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico.

Leonardo Melo, do Cascione Advogados, avalia que a norma é resultado da evolução do mercado de ativos virtuais no Brasil, da busca por regulamentar o setor para conferir mais segurança aos investidores e do interesse do Estado em mitigar cenários de fraudes, lavagem de dinheiro e crimes contra o Sistema Financeiro Nacional.

Segundo ele, um ponto importante da lei é o fato de as prestadores de serviços de ativos virtuais agora serem obrigadas a adotar procedimentos de identificação de clientes, a manter registros e fazer a comunicação de operações financeiras, dando maior transparência ao mercado.

O que ainda falta decidir, segundo os especialistas, é a quem caberá a regulação dessas novas obrigações. Na análise de Renata Cardoso, sócia da prática de bancário, operações e serviços financeiros do Lefosse Advogados, é provável que a responsabilidade recaia sobre o Banco Central. "É o Poder Executivo que deve definir o órgão regulador, o que provavelmente ficará para o próximo governo", explica.

Segundo a especialista, enquanto a indicação não for feita e a norma não for regulada na esfera infralegal, aspectos práticos do Marco Legal das Criptomoedas vão ficar prejudicados, como a definição de quais são os ativos financeiros regulados pela lei, como se dará o processo de autorização de funcionamento para uma prestadora de serviços de ativos virtuais e os parâmetros para a prestação de qualquer serviço nesse mercado.

Já Yuri Nabeshimahead de inovação do VBD Advogados, destaca que o mercado de criptoativos ansiava pela regulação da matéria, especialmente em relação à questão da segregação patrimonial e à necessidade de Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) pelas exchanges atuando no país. Mas nem todas as questões foram resolvidas.

"Embora a lei tenha incluído a exigência de CNPJ e representação no Brasil, ela deixa a desejar ao não enfrentar o tema da segregação patrimonial, deixando a cargo do Banco Central regular a questão", analisa.

A segregação patrimonial impediria que o capital dos usuários de uma exchange se misturasse com o patrimônio da empresa. Como mostrou a Conjur, no modelo aprovado, sem a segregação patrimonial, as exchanges atuam como bancos: os recursos depositados pelos clientes são utilizados livremente pela empresa, em empréstimos e outros investimentos. 

O professor e consultor em regulação financeira Isac Costa destaca que, com a criação de um regime de autorização, as empresas que desejarem prestar serviços envolvendo ativos virtuais no Brasil terão que passar pelo crivo estatal.

Além disso, haverá fiscalização e aplicação de punições pelo descumprimento das regras que serão estipuladas em resoluções, instruções e outros atos infralegais.

Com a lei, o Brasil também passa a contar com o novo crime de estelionato especializado em ativos virtuais, com pena entre quatro e oito anos e multa.

Rafael Viana, advogado da área de mercado de capitais e compliance, do Velloza Advogados, acrescenta que a lei representa um marco necessário para um setor que ganhou muito espaço em âmbito global e nacional nos últimos anos.

Ele considera que, ainda que não tenham sido aprovados alguns pontos importantes, como a já citada questão da segregação patrimonial, o prolongamento de um cenário de ausência de qualquer regulação sobre uma matéria tão relevante seria pior.

"Nesse sentido, a título de exemplo, a possibilidade do futuro órgão regulador aplicar às prestadoras de serviços de ativos virtuais as disposições da Lei 13.506/2017, bem como de estabelecer condições para o exercício de cargos em órgãos estatutários de tais empresas, são medidas importantes para o amadurecimento da criptoeconomia no nosso país", avalia.

Por fim, o especialista ainda pontua que existe uma tendência de aproximação da regulação dos prestadores de serviço de ativos virtuais em relação àquela aplicável aos players mais tradicionais do mercado financeiro.

Guilherme Manier, sócio da área tributária da Viseu Advogados, afirma que merece destaque o artigo 5 da norma, que elenca os serviços de ativos virtuais, mas sem traçar uma clara conexão com a lista anexa à Lei Complementar 116/2003.

"A legislação complementar mencionada traz o rol de serviços tributados pelo Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) e serve de norte para o cumprimento de obrigações acessórias, a fixação de competência e obrigação de retenção, com o consequente direcionamento da alíquota aplicável", explica.

Ele analisa que, ao não correlacionar, claramente, os serviços com ativos virtuais àqueles elencados na legislação geral sobre o ISSQN, abre-se espaço para discussões, em cada caso, sobre a tributação municipal incidente.

A lei entrará em vigor 180 dias após a publicação, tempo determinado para que as empresas do setor se adequem às novas regras.

Confira AQUI na íntegra a Lei 14.478/2022


Fonte: Conjur

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