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Integrar quadrilha é insuficiente para vincular membro aos crimes do bando

A participação em um crime não conduz ao automático envolvimento em outro pelo simples fato de ambos serem atribuídos à mesma quadrilha. Com essa fundamentação, a 16ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo absolveu um homem, por insuficiência de provas, da acusação de participação em arrastão em um edifício de luxo em São José do Rio Preto.

Em primeiro grau, o homem foi condenado a 24 anos, três meses e 11 dias de reclusão, em regime inicial fechado, por roubo qualificado, receptação, uso de documento falso e integrar organização criminosa. Outros cinco corréus também apelaram, mas tiveram os recursos negados pelo TJ-SP, inclusive, no tocante à redução das suas penas, fixadas entre 21 anos, sete meses e 23 dias a 24 anos, dois meses e 11 dias.

Segundo o desembargador Otávio de Almeida Toledo, relator dos recursos, as provas contra o apelante se mostraram insuficientes para demonstrar, “com segurança”, a sua participação no delito de São José do Rio Preto. Conforme a sentença, esse recorrente é o autor intelectual dos roubos e líder da associação criminosa responsável por realizar o levantamento dos alvos (prédios) e planejar as ações.

“Ele não foi apontado por nenhum dos corréus ou vítimas. Contra ele existem os depoimentos do delegado de polícia e do investigador, e o relatório elaborado pelo primeiro, no sentido de que tomaram conhecimento por policiais da cidade de Santos de que O. seria o mentor dos crimes e que fora preso na companhia de alguns dos corréus destes autos”, ponderou o relator.

De acordo com Almeida Toledo, ainda que sejam considerados como indícios, esses depoimentos “não demonstram, de forma inequívoca, a participação de [acusado] nos crimes aqui apurados, mormente porque não vieram a estes autos as provas colhidas no processo que apurou o crime na cidade de Santos. Esse apelante é defendido pelos advogados Victor Nagib Aguiar e Renata Medeiros Ramos Nagib Aguiar.

Em suas razões recursais, os advogados rebateram a informação do delegado de que o cliente havia sido preso em Santos com um celular, cujo Imei (número identificador) é o mesmo do aparelho que esteve em São José do Rio Preto na véspera do roubo nesta cidade, conforme rastreio por GPS realizado nas investigações. A defesa demonstrou que não há prova de que o apelante portasse qualquer telefone ao ser detido.

“Portanto, a tese acusatória, no sentido de que o ora apelante teria envolvimento com o roubo discutido nestes autos, não tem qualquer esteio capaz de servir como sustentáculo para uma sentença condenatória”, concluiu Almeida Toledo. Os desembargadores Guilherme de Souza Nucci e Adalberto José Queiroz Telles de Camargo Aranha Filho acompanharam o voto do relator.

Em relação aos demais recorrentes, o colegiado também decidiu de forma unânime, mas para negar suas apelações. “Quanto aos demais corréus, as provas demonstraram que o roubo se deu em concurso de agentes, restrição da liberdade das vítimas e emprego de arma de fogo”.

O arrastão ao prédio ocorreu em 3 de julho de 2020. Após invadir dois apartamentos, o bando antecipou a fuga devido à chegada da polícia.

O acórdão reconheceu o delito de organização criminosa, “eis que os réus montaram uma verdadeira estrutura ilícita, com divisão de tarefas, destinada à prática de crimes de maior gravidade, especialmente roubos à mão armada, chegando a alugar apartamentos com documentação falsificada para facilitar e possibilitar a execução dos crimes planejados pelo grupo criminoso, fazendo uso de veículos, produtos de crime anterior”.

Processo 1503658-78.2020.8.26.0576




Por Eduardo Velozo Fuccia
Fonte: Conjur

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