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Denúncia anônima e fuga ao avistar PMs não justificam invasão de domicílio

O ingresso de agentes públicos em domicílio após denúncia anônima exige prévia investigação policial quanto à veracidade das informações recebidas. Também não pode ocorrer baseado na tentativa de fuga do suspeito ao avistar os policiais.

Com esse entendimento, o ministro Ribeiro Dantas, do Superior Tribunal de Justiça, reconheceu a ilicitude do ingresso de policiais na residência de um réu por tráfico de drogas, anulou as provas obtidas a partir da busca domiciliar e o absolveu das acusações criminais.

Após condenação no Tribunal de Justiça de São Paulo, o advogado José Roberto Sanches, responsável pela defesa, argumentou que houve violação de domicílio sem autorização judicial ou justa causa.

Dantas levou em conta as duas versões apresentadas em juízo. Os policiais militares alegaram que receberam uma denúncia de tráfico, foram até a casa para abordar dois irmãos suspeitos e viram um deles correndo para dentro do imóvel após avistar a viatura. Ambos foram detidos dentro da residência, juntamente com a namorada de um deles. Foram encontradas 22 porções de cocaína no local.

Já os demais depoimentos indicavam situação distinta. Os irmãos e a namorada disseram que ninguém estava no portão: os três estavam na sala mexendo em seus celulares quando os policiais pularam o muro, entraram na casa e perguntaram sobre drogas. Duas testemunhas viram os agentes pulando para dentro da casa e confirmaram que não havia ninguém na porta. Alguns dias antes, os PMs já haviam entrado com mandado na casa para revistá-la.

Pela versão do réu e das testemunhas, o ministro relator considerou "evidente a violação de domicílio", pois nenhuma situação prévia justificou a diligência.

Porém, mesmo tomando como base a narrativa dos PMs, Dantas também não verificou justa causa para a medida. Ele lembrou que, conforme precedente da 6ª Turma do STJ, a tentativa de fuga ao avistar policiais não autoriza a violação do domicílio.

O magistrado ainda lembrou que a jurisprudência do STJ também não considera justo o ingresso de policiais no domicílio a partir de mera denúncia anônima, sem outros elementos preliminares indicativos do crime.

Por fim, Dantas citou um caso bastante semelhante ao dos autos (RHC 83.501). Também houve denúncia anônima e fuga do morador após visualizar os policiais, mas a 6ª Turma não constatou justa causa.

"Não se está a exigir diligências profundas, mas sim breve averiguação, como, por exemplo, 'campana' próxima à residência para verificar a movimentação na casa e outros elementos de informação que possam ratificar a notícia anônima", apontou o relator. Para o ministro, a sentença e o acórdão se basearam unicamente em elementos de prova "decorrentes da busca domiciliar ilícita".

Jurisprudência vasta
A análise da legalidade da invasão de domicílio por policiais militares é tema constante na pauta das turmas criminais do STJ. Os colegiados vêm delineando limites de identificação das razões para se ingressar na casa de alguém sem mandado judicial.

A 6ª Turma já decidiu que a invasão só pode ocorrer sem mandado judicial e perante a autorização do morador se ela for filmada e, se possível, registrada em papel. A 5ª Turma também adotou a tese. Porém, a ordem foi anulada por decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, em dezembro do último ano.

O STJ também já entendeu ilícita a invasão nas hipóteses em que a abordagem é motivada por denúncia anônima, pela fama de traficante do suspeito, por tráfico praticado na calçada, por atitude suspeita e nervosismocão farejadorperseguição a carro ou apreensão de grande quantidade de drogas.

Ainda foram anuladas provas quando a busca domiciliar ocorreu após informação dada por vizinhos e depois de o suspeito fugir da própria casa ou fugir de ronda policial. Em outro caso, foi considerada ilícita a apreensão feita após autorização dos avós do suspeito para ingresso dos policiais na residência.

Outra definição foi de que o ingresso de policiais na casa para cumprir mandado de prisão não autoriza busca por drogas. Da mesma forma, a suspeita de que uma pessoa poderia ter cometido o crime de homicídio em data anterior não justifica a invasão do domicílio. O mesmo vale para situações em que há controvérsia entre as declarações dos policiais e do réu sobre a autorização livre do morador para a entrada na residência.

Por outro lado, o ingresso é lícito quando há autorização do morador ou em situações já julgadas, como quando ninguém mora no local, se há denúncia de disparo de arma de fogo na residência ou flagrante de posse de arma na frente da casa, se é feita para encontrar arma usada em outro crime — ainda que por fim não a encontre —, se ocorrer em diligência de suspeita de roubo ou se o policial, de fora da casa, sente cheiro de maconha, por exemplo.

Clique AQUI para ler a decisão
AREsp. 2.145.647



Por José Higídio
Fonte: Conjur

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