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O Direito Penal e a responsabilidade criminal dos influencers digitais

É evidente a expansão que a internet alcançou — e vem alcançando cada vez mais —, por intermédio de suas plataformas de interação social no decorrer dos últimos anos. Logo, eclode a necessidade de se examinar e debater o consumo dos conteúdos online que são veiculados diariamente, de forma irrestrita, por milhões de internautas nas redes sociais.

Com o advento de inúmeras inovações tecnológicas e com a criação de múltiplas redes sociais que abrangem praticamente toda e qualquer finalidade que o usuário procura, é cediço que, com o passar dos anos, as pessoas mudaram a forma de como fabricam e absorvem conteúdo.

Obstáculos físicos que existiam antes da expansão das plataformas sociais online, hoje já não existem mais. A abrangência do conteúdo que é disponibilizado pelo internauta teve um aumento significativo de audiência, em razão da forma simplificada de acesso que pode se dar por qualquer pessoa.

Dito isso, os influencers digitais, comumente conhecidos por "blogueiros", surgem nesse panorama trazendo mais complexidade à metodologia das interações online.

Os influencers, cabe destacar, são pessoas comuns como todas as outras (artigo 5º, CF/88), havendo apenas um diferencial: devido ao conteúdo que manejam, seja de autopromoção, exposição diária de hábitos (lifestyle) ou até mesmo exteriorização de opiniões particulares, acabam sendo alvos de muito mais críticas se comparados a uma pessoa amadora com poucos seguidores nas redes sociais e que não ostenta dez por cento do conteúdo que é manejado por um influencer diariamente.

Vale dizer, o manuseio diário e irrestrito de conteúdos pelos influencers, converteu-se em um mercado capaz de gerar volumosas fortunas, mas que, em contrapartida, ainda carece de regulamentação, devido a escassez de fiscalização e, sobretudo, de responsabilização dos usuários que utilizam as redes sociais sem o devido equilíbrio e discernimento.

Neste ínterim, é de suma importância examinar, do ponto de vista jurídico, a extensão da responsabilização penal que pode vir a recair sobre os influencers digitais, em razão da altíssima audiência que é alcançada grande parte das vezes, sobretudo quando se trata de publicidade.

Como já dito, influencers digitais também são pessoas comuns (artigos 5º, CF/88) e, por óbvio, também estão sujeitos às implicações, por exemplo, dos crimes contra a honra, previstos nos artigos 138 (calúnia), 139 (difamação) e 140 (injúria) do Código Penal. É de conhecimento público e notório que milhares de influencers, diariamente, fazem questão de provocar desavenças online — muitos, presumindo que nenhuma responsabilização irá recair sobre si na esfera jurídica —, visando angariar não somente um maior número de seguidores, mas, sobretudo, audiência e engajamento orgânico em seus perfis. No ponto, todo cuidado é necessário. Nem tudo que é dito está amparado pelo direito de livre manifestação do pensamento, previsto no artigo 5º, inciso IV, da CF/88.

Partindo-se de tal premissa, ofensas que atentam contra a honra objetiva (calúnia e difamação) e subjetiva (injúria), contribuem, sem sombra de dúvidas, para novas formas de opressão, "como o bullying virtual e o chamado online hate speech, revelando o que tem sido chamado de "dark side" das redes sociais: seu crescente papel na propagação do ódio,” muito bem tratado por Anderson Schereiber". (SCHREIBER, 2015, p. 281), perante a obra Marco Civil da Internet: Avanço ou Retrocesso?.

Ademais, outro exemplo revestido de inúmeras nuances e que vem sendo utilizado cada vez mais pelos influencers de forma desmedida na internet é o fenômeno das Fake News, expressão que nasceu para descrever a ampla divulgação de notícias falsas declaradas nas redes sociais. Sobre o tema, Vitória Matheus Teixeira, na obra As Fake News e suas consequências nocivas à sociedade (TEIXEIRA, et al., 2019, p.4), discorre de modo cirúrgico ao dispor que as fake news propagadas por influencers "acarretam diversos malefícios à sociedade, já que, por muitas vezes, para propagar suas ideias, faz vítimas inocentes, que sofrem com seus efeitos por longos e árduos anos, senão por toda a vida".

O terceiro exemplo — deixado por último de forma proposital, dada a complexidade do tema —, trata-se do famoso "publi post", que nada mais é do que a contratação de um influencer digital, por parte de uma empresa, para divulgação nas redes sociais de seus produtos e serviços.

A divulgação de um produto ou serviço por parte do influencer pode ser feita de múltiplas formas, desde a recomendação do estabelecimento para seus seguidores, até o consumo direto de produtos, fornecimento de cupons de desconto, realização de sorteios, etc.

Contudo, e aqui deve-se ter a máxima atenção, é preciso — por parte do influencer —, antes de fechar uma parceria de divulgação, analisar a proposta com zelo, já que, a depender do caso, o influencer poderá ser responsabilizado criminalmente pela prática de um delito cometido pela empresa, além de colocar todos seus seguidores em risco, por estarem consumindo um conteúdo sem imaginar a ilicitude presente por trás dos bastidores.

Para que seja possível visualizar a questão na prática, sucede o seguinte exemplo: Júnior, influencer, é contatado pela empresa X para realizar a divulgação de um novo produto lançado. Júnior possui mais de dez milhões de seguidores nas redes sociais, o que faz de seu cachê um dos mais caros da internet. A empresa X, após receber a proposta de Júnior (R$ 250 mil), decide, de pronto, efetivar a contratação (na oportunidade, não foi convencionado contrato de prestação de serviços entre as partes). Júnior fornece seus dados bancários para recebimento do valor, a título de cachê, o que prontamente é feito pela empresa X, no mesmo dia, por intermédio de pagamento eletrônico instantâneo (Pix).

Quatro meses depois, Júnior recebe, em sua residência, uma intimação para prestar depoimento em delegacia, na qualidade de suspeito, pela suposta prática de Crime Contra o Sistema Financeiro. Júnior, desesperado, imediatamente constitui defesa técnica para ter acesso aos autos do inquérito policial. Com o caderno policial em mãos, a defesa técnica explica para Júnior que o inquérito deflagrado visa apurar maiores elementos acerca do recebimento, por parte de Júnior, de R$ 250 mil da empresa X, investigada há mais de seis meses por inúmeros crimes praticados contra o sistema financeiro, com destaque, ainda, para os mais de dez processos criminais em trâmite por delitos da mesma natureza.

O exemplo reflete, de forma extremamente objetiva, uma relação deficitária. Na hipótese retratada, Júnior poderá até se esquivar da responsabilização criminal, se restar cabalmente comprovado que não sabia e, mais importante, que não havia como saber da origem ilícita dos valores operados pela empresa X, todavia, terá de arcar com possível responsabilização na esfera cível, se assim entender o juízo, inclusive com o risco de condenação ao pagamento de indenizações.

Além do mais, Júnior expôs não somente seus seguidores a um risco concreto, mas a si próprio, já que a investigação criminal, por si só, é um catastrófico estigma à reputação e aos olhos da sociedade, ainda mais tratando-se de influencer digital, detentor do poder de persuadir a vida de milhões de pessoas com apenas um clique.

A reflexão que se deve fazer é a seguinte: poderia Júnior ter evitado a instauração de um inquérito policial em seu desfavor? A resposta é positiva, se tivesse tomado os devidos cuidados a fim de minimizar ou até mesmo evitar riscos.

É de se concluir, portanto, que os influencers desempenham papel relevante nas relações de consumo contemporâneas, o que lhes confere o ônus de serem criteriosos com as empresas que possivelmente estabelecerão parcerias e com as pessoas as quais interagem e criticam nas redes sociais, buscando evitar riscos para si e para os milhões de seguidores que os acompanham diariamente no mundo online, digam-se, facilmente influenciadas grande parte das vezes, por verem na pessoa do influencer um grande herói.


Por Anderson Almeida
Fonte: Conjur

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