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Estado e município devem indenizar por prisão indevida por 70 dias

Toda lesão sofrida pelo particular deve ser ressarcida, independentemente de culpa do agente público que a causou. O que se tem de verificar é apenas a relação de causalidade entre a ação administrativa e o dano sofrido pelo administrado.

Com base nesse entendimento, a 2ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo reformou sentença de primeiro grau para condenar o estado de São Paulo e o município de Taboão da Serra a indenizar em R$ 140 mil dois homens que foram presos de forma indevida por 70 dias.

De acordo com os autos, os dois foram presos em flagrante pela Guarda Municipal por estarem com roupas semelhantes às de dois suspeitos de uma tentativa de furto. Inicialmente, a vítima teria reconhecido os dois, mas depois afirmou não ter certeza se eram os autores do crime. Mesmo assim, segundo a defesa, eles permaneceram presos preventivamente por 70 dias. Na esfera penal, foram absolvidos por insuficiência de provas. 

Após a absolvição, eles ajuizaram ação indenizatória contra o estado e o município. Nela, alegaram que sequer estavam no local do crime e que as autoridades policiais não ouviram testemunhas de defesa que poderiam comprovar os fatos. Os rapazes também apresentaram imagens de câmeras de segurança que indicavam que, no horário da tentativa de furto, estavam em outro ponto da cidade. 

Para o relator, desembargador Carlos von Adamek, o procedimento criminal contra os autores está "eivado de equívocos" desde a prisão em flagrante, pois, segundo relatos da vítima, o reconhecimento dos rapazes foi feito sob pressão, no local onde os autores foram abordados (via pública), apenas confirmado na delegacia, o que contraria o artigo 226 do Código de Processo Penal.

"Diante da fragilidade da prova e dos documentos juntados no processo criminal pelos autores, não caberia a conversão da prisão em flagrante em preventiva, pois os autores demonstraram naqueles autos que estavam em outro local no momento do crime, e que tinham emprego e residência fixa. Ademais, para manutenção das prisões preventivas, as provas juntadas aos autos pelos autores sequer foram valoradas", disse o magistrado.

Nesse contexto, considerando que a situação causou aos autores angústia exacerbada, "pois mesmo após a apresentação das filmagens demonstrando que estavam em outro local no horário do crime, ainda assim a prisão preventiva de ambos foi mantida, e que permaneceram presos por aproximadamente 70 dias", o relator condenou os réus ao pagamento de indenização por danos morais.

Com base nos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, o magistrado fixou a reparação em R$ 70 mil para cada autor, a ser paga de forma solidária por estado e município, observando "as funções ressarcitória e punitiva da indenização". A decisão do TJ-SP foi tomada por unanimidade. 

Os autores são representados pelo advogado Rogério Carmo. "A decisão é um excelente precedente para arbitrariedade cometidas pela polícia em face de nossa população periférica", afirmou ele. 

Clique AQUI para ler o acórdão  
Processo 1006761-51.2020.8.26.0609



Por Tábata Viapiana

Fonte: Conjur

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