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Assunção de culpa em ANPP não basta para embasar condenação de corréu

A assunção extrajudicial de culpa no acordo de não persecução penal (ANPP) não tem capacidade probatória para, por si só, levar à condenação. Para isso, é imprescindível sua reprodução em juízo, durante a ação penal, e a constatação de sua coerência com provas judicializadas, submetidas ao contraditório.

Com esse entendimento, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça concedeu a ordem em Habeas Corpus para absolver José Francisco Martha, o Zé da Doca, da condenação a dois anos, três meses e seis dias de reclusão, em regime inicial aberto, pelo crime de falsidade ideológica em continuidade delitiva.

Segundo a denúncia, enquanto era prefeito de São Sebastião da Grama (SP), ele e outras pessoas participaram de aquisições de notas fiscais falsas para justificar adiantamentos de valores de viagens com o propósito de "acertar o caixa".

Na fase extrajudicial, alguns dos suspeitos assinaram um termo de acordo de não persecução penal, que oferece ao acusado de um crime a possibilidade de evitar o processo penal mediante reparação de danos, prestação de serviços comunitários e outras medidas menos gravosas.

Um dos requisitos para fazer jus ao ANPP é confessar o ilícito. As informações fornecidas por esses suspeitos foram, então, usadas pela acusação como prova do envolvimento do prefeito no crime, mas esses elementos extrajudiciais não foram reproduzidos na fase processual, ao longo da instrução criminal

Relator no STJ, o ministro Rogerio Schietti afirmou que as declarações feitas na fase extrajudicial não têm standard probatório para, exclusivamente, levar à condenação. "Seja qual for a sua clareza, deve ser confrontada com outros elementos que possam confirmá-la ou contraditá-la, durante a instrução criminal."

De acordo com o ministro, se o suspeito que celebra ANPP não pode ter suas declarações usadas contra si na seara criminal (ao menos enquanto não descumprir os termos do acordo), então essa prova também não deve servir para subsidiar a condenação de outros réus.

"A verdade judicial traduzida na sentença precisa ser uma verdade processual. Para que a declaração do celebrante do ANPP possa respaldar o decreto condenatório, é imprescindível sua reprodução em juízo, durante a ação penal, e a constatação de sua coerência com provas judicializadas, submetidas ao contraditório, de forma a conferir ao réu o direito fundamental de efetiva participação na formação da decisão judicial, em dualidade com o Ministério Público." A votação foi unânime.

Clique AQUI para ler o acórdão
REsp 756.907



Por Danilo Vital
Fonte: Conjur

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