Pular para o conteúdo principal

Injúria racial no âmbito desportivo

O Congresso aprovou e o governo sancionou a Lei Federal nº 14.532/2023, que traz mudanças na Lei nº 7.716 (Lei do Crime Racial) e no Decreto Lei nº 2.848 (Código Penal). As alterações, importantes, fortalecem o combate a práticas criminosas na sociedade em geral e incluem medidas de grande eficácia para o enfrentamento do crime de racismo e injúria racial no âmbito do esporte. Clubes de todo o país devem estar atentos ao assunto e podem ver na mudança legal uma oportunidade para mais uma vez se perfilarem ao lado da civilidade e atuarem de forma efetiva em programas de conscientização de suas torcidas.

A nova redação da lei iguala a injuria racial ao racismo, o que torna a modalidade criminosa mais grave e a torna inafiançável e imprescritível. Além disso, a mudança impede que em casos de injúria seja usada a chamada transação penal (espécie de "acordo penal"), forma de abrandar a punição.

Há ainda pontos da legislação que tratam especificamente de atividades recreativas e esportivas. Há de ter grande efeito pedagógico a pena de banimento. Ou seja: no caso do crime cometido em arena esportiva, o autor será proibido de frequentar o mesmo espaço. Não menos importante é destacar outro ponto da lei que trata em específico de atividades lúdicas, como o esporte — e isso sem esgotar as várias e inovadoras aplicações trazidas ao crime de injúria. Diz o artigo 20 da lei: "os crimes previstos nesta lei terão as penas aumentadas de 1/3 (um terço) até a metade, quando ocorrerem em contexto ou com intuito de descontração, diversão ou recreação".

A violência no esporte é tema muito antigo e comporta debates históricos sobre o combate e a punição de práticas criminosas por torcedores e até mesmo entre atletas. Das várias discussões havidas e da comparação com exemplos de várias partes do mundo, uma conclusão sempre aparece: a certeza da impunidade por parte dos infratores ou a dificuldade da punição por parte das autoridades são estimulantes indiretos dos atos de violência. Relatório do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) mostra que no ano passado a Corte recebeu 19 denúncias de atitudes preconceituosas — seis por injúria racial, onze por cantos homofóbicos e duas por ações de cunho sexista. Foram aplicadas punições em 13 casos, com multas somadas de R$ 355 mil.

Por outro lado, é notório e comprovado que países que identificam e punem com maior rigor os infratores veem diminuírem sobremaneira os atos de violência. E não se fala exclusivamente do "tamanho da pena", mas também do tipo de punição, que pode ter maior ou menor efeito prático sobre os resultados. Quanto mais pedagógico, mais abrangência e repercussão se obtém sobre determinados grupos de pessoas que praticam atos deste gênero e que, a partir da condenação de terceiros, deixam de praticá-los.

Ao igualar injuria racial ao racismo o legislador dá passo importante. A Lei penal brasileira trata a injúria racial de forma branda. Diferente do crime de racismo, a injúria é ato em que o agressor ofende uma pessoa em razão de sua cor, etnia, raça ou origem. E, por algum motivo, recebia tratamento mais brando na aplicação de penas. Soma-se a isso, o fato de que a tecnologia, a filmagem, a captação de sons em estádios e campos de jogo descortinaram uma prática milenar que até então se mantinha "escondida" no meio do esporte.

Assim sendo, a comunidade esportiva e os operadores do Direito Desportivo Brasileiro devem exercer seu papel de intérprete e destinatários da legislação para cientificar, educar e debater a temática à exaustão. Quando cientificados da prática dos crimes de racismo e injúria, devem apurar e aplicar a norma com rigor. Às federações e agremiações, com destaque aos clubes de futebol como esporte de massa, incumbe assumir o papel de educar, difundir e publicizar a Lei como forma de combate e erradicação do racismo e da injúria racial.


Por Tullo Cavallazzi Filho
Fonte: Conjur

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Presidente do STJ suspende prisão de homem detido por dirigir embriagado

A prisão preventiva para quem comete o crime de embriaguez ao volante — que tem pena de detenção de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter permissão para dirigir — é medida excessiva e deve ser substituída por outra mais leve. Esse entendimento foi adotado pelo presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Humberto Martins, para conceder Habeas Corpus a um homem de Minas Gerais que foi preso por dirigir seu veículo sob o efeito de álcool. Por decisão da Justiça mineira, a prisão em flagrante foi convertida em preventiva. Além disso, a fiança arbitrada anteriormente foi revogada com a justificativa de que "o acusado solto trará sensação de intrepidez à lei e, como já foi flagrado outras vezes embriagado na condução do veículo, poderá haver comprometimento da ordem pública". A defesa, então, entrou com pedido de Habeas Corpus com a alegação de que o motorista, um idoso de 60 anos, está acometido por doença grave, s...

Novo padrão probatório para testemunho policial em condenações criminais

Há tempos consolidou-se em nossos tribunais o entendimento pela validade dos depoimentos prestados por agentes estatais, havendo inclusive julgados afirmando que mereceriam maior crédito porque prestados por servidores, no exercício de suas funções. Entretanto, recentes decisões judiciais têm causado alteração no padrão de provas anteriormente exigido apontando no sentido de que as palavras dos policiais, como toda prova testemunhal, são passíveis de falhas, o que  recomenda (ou exige) a adoção, por parte do Estado, de cautelas maiores que a de simplesmente carrear à defesa o ônus de comprovar a parcialidade do agente ou de equívoco fático em seu testemunho. Não se pretende aqui colocar em xeque indistintamente a idoneidade dos agentes estatais, mas apenas apontar que a falibilidade de nossa memória e, portanto, da prova testemunhal em si, recomenda, como padrão probatório mínimo a fundamentar condenações criminais, a exigência de elementos outros, antes impossíveis devido ao "est...

Lugar do crime: teoria da ubiquidade (CP) ou do resultado (CPP)?

Eudes Quintino de Oliveira Junior Muitas vezes, ao se analisar os dispositivos contidos em nossa legislação (sejam de direto material ou processual), verifica-se que há regras aparentemente distintas e contraditórias, o que fatalmente acarreta uma série de dúvidas aos operadores do Direito, sem falar ainda dos estudantes do bacharelado e dos concursos públicos. Com efeito, dispõe o artigo 6º, do CP, que: considera-se praticado o crime no momento da ação, ou da omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado. Já o artigo 70, do CPP, diz que a competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou , no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução. Pois bem, está caracterizada a aparente antinomia na área penal, em tema de lugar do crime. Os ventos são indicadores de furacão nos mares do sul. O CP diz que deve se considerar, como local onde praticada a infração penal, o lugar onde t...