Pular para o conteúdo principal

Sem prova produzida em juízo, condenado é absolvido em revisão criminal

A condenação sustentada apenas em informações obtidas na fase extrajudicial, que não foram confirmadas em juízo, ofende os princípios da ampla defesa e do contraditório. Isso se aplica inclusive ao Tribunal do Júri, no qual são jurados leigos que decidem.

Esse entendimento foi adotado pelo 1º Grupo de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo para acolher pedido de revisão criminal de um homem condenado a sete anos de reclusão por tentativa de homicídio qualificado. Por oito votos a um, o colegiado absolveu o sentenciado com fundamento no artigo 386, inciso V, do Código de Processo Penal (não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal).

"A condenação foi embasada exclusivamente nos elementos constantes do inquérito policial, o que, como bem é sabido, não serve de fundamento para o decreto condenatório, principalmente, quanto não reproduzido em juízo, perante os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório", observou o desembargador André Carvalho e Silva de Almeida, relator do pedido revisional.

O desembargador Costabile e Solimene divergiu do relator, mas seguiram o voto de Silva de Almeida os desembargadores Figueiredo Gonçalves, Mário Devienne Ferraz, Francisco Orlando, Alex Zilenovski, Ivo de Almeida, Alberto Anderson Filho e Andrade Sampaio. O acórdão teve efeitos extensivos a um corréu do peticionário da revisão criminal, sendo expedidos para ambos alvarás de soltura.

A Procuradoria-Geral de Justiça manifestou-se pela procedência da ação revisional porque a condenação foi embasada exclusivamente nos elementos constantes do inquérito policial. Em seu parecer, o órgão reconheceu a ausência de provas de autoria delitiva, considerando como medida adequada a cassação da decisão que condenou o peticionário e a sua consequente absolvição.

Antes da apreciação do mérito da revisão criminal, foi deferido pedido liminar, também com efeito extensivo ao corréu, para que o requerente aguardasse em liberdade a decisão do colegiado. Os acusados foram condenados pelo 2º Tribunal do Júri de Campinas e a 8ª Câmara Criminal Extraordinária do TJ-SP negou provimento ao recurso de apelação de ambos, transitando em julgado a sentença.

Reconhecimento por foto
Consta dos autos que a vítima reconheceu os acusados por meio de fotografias que lhe foram exibidas na delegacia. Posteriormente, ela foi assassinada por outras pessoas. A dupla apontada como autora do primeiro crime não chegou a ser submetida a reconhecimento pessoal.

As pessoas ouvidas sob o crivo do contraditório nada presenciaram. Por isso, limitaram-se a confirmar o atentado cometido contra a vítima, mas sem apontar qualquer indício de possível participação dos denunciados. "Nada se produziu durante a instrução criminal ou no plenário que, ainda que superficialmente, indicasse os réus como autores da tentativa de homicídio", concluiu o relator.

Embora pudessem confirmar de modo indireto as declarações feitas pela vítima no inquérito, policiais envolvidos na investigação também não depuseram em juízo. Além disso, o relator destacou que outras testemunhas ainda "colocaram em dúvida a honestidade e correção da vítima", sendo a condenação "manifestamente contrária à prova dos autos".

Silva de Almeida baseou o seu voto no artigo 155 do CPP. Diz a regra que "o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas".

De acordo com o relator, tal dispositivo, segundo a jurisprudência, também se aplica aos jurados. Embora os membros do Conselho de Sentença não precisem motivar o seu veredicto, ele deve estar fundamentado em prova produzida em juízo, sob pena de violar os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório.


Clique AQUI para ler o acórdão
Revisão criminal 0019378-10.2021.8.26.0000


Por Eduardo Velozo Fuccia

Fonte: Conjur 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Presidente do STJ suspende prisão de homem detido por dirigir embriagado

A prisão preventiva para quem comete o crime de embriaguez ao volante — que tem pena de detenção de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter permissão para dirigir — é medida excessiva e deve ser substituída por outra mais leve. Esse entendimento foi adotado pelo presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Humberto Martins, para conceder Habeas Corpus a um homem de Minas Gerais que foi preso por dirigir seu veículo sob o efeito de álcool. Por decisão da Justiça mineira, a prisão em flagrante foi convertida em preventiva. Além disso, a fiança arbitrada anteriormente foi revogada com a justificativa de que "o acusado solto trará sensação de intrepidez à lei e, como já foi flagrado outras vezes embriagado na condução do veículo, poderá haver comprometimento da ordem pública". A defesa, então, entrou com pedido de Habeas Corpus com a alegação de que o motorista, um idoso de 60 anos, está acometido por doença grave, s...

Novo padrão probatório para testemunho policial em condenações criminais

Há tempos consolidou-se em nossos tribunais o entendimento pela validade dos depoimentos prestados por agentes estatais, havendo inclusive julgados afirmando que mereceriam maior crédito porque prestados por servidores, no exercício de suas funções. Entretanto, recentes decisões judiciais têm causado alteração no padrão de provas anteriormente exigido apontando no sentido de que as palavras dos policiais, como toda prova testemunhal, são passíveis de falhas, o que  recomenda (ou exige) a adoção, por parte do Estado, de cautelas maiores que a de simplesmente carrear à defesa o ônus de comprovar a parcialidade do agente ou de equívoco fático em seu testemunho. Não se pretende aqui colocar em xeque indistintamente a idoneidade dos agentes estatais, mas apenas apontar que a falibilidade de nossa memória e, portanto, da prova testemunhal em si, recomenda, como padrão probatório mínimo a fundamentar condenações criminais, a exigência de elementos outros, antes impossíveis devido ao "est...

Lugar do crime: teoria da ubiquidade (CP) ou do resultado (CPP)?

Eudes Quintino de Oliveira Junior Muitas vezes, ao se analisar os dispositivos contidos em nossa legislação (sejam de direto material ou processual), verifica-se que há regras aparentemente distintas e contraditórias, o que fatalmente acarreta uma série de dúvidas aos operadores do Direito, sem falar ainda dos estudantes do bacharelado e dos concursos públicos. Com efeito, dispõe o artigo 6º, do CP, que: considera-se praticado o crime no momento da ação, ou da omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado. Já o artigo 70, do CPP, diz que a competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou , no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução. Pois bem, está caracterizada a aparente antinomia na área penal, em tema de lugar do crime. Os ventos são indicadores de furacão nos mares do sul. O CP diz que deve se considerar, como local onde praticada a infração penal, o lugar onde t...