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Estupro de vulnerável não pode ser desclassificado se vítima for menor de 14

Qualquer ato libidinoso contra menor de 14 anos caracteriza o crime de estupro de vulnerável (artigo 217-A do Código Penal), porque "se presume de forma absoluta a violência". Desse modo, não cabe a desclassificação para o delito de importunação sexual (artigo 215-A do CP).

Com essa ressalva, a 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais acolheu recurso de apelação do Ministério Público e condenou por estupro de vulnerável um homem acusado de passar as mãos nas partes íntimas de uma menina de 9 anos.

O juízo de primeiro grau desclassificou a conduta atribuída ao réu na denúncia para mera importunação sexual, determinando a abertura da vista ao MP com os fins de oferecimento de proposta para a suspensão condicional do processo ao apelado.

Por maioria, o colegiado entendeu que é o caso de provimento do recurso e impôs ao réu a pena de oito anos de reclusão, em regime inicial semiaberto. O desembargador Eduardo César Fortuna Grion, revisor, abriu a divergência, sendo seguido pela desembargadora Maria Luíza de Marilac.

Inicialmente, Fortuna Grion discorreu sobre a "subsidiariedade" do delito do artigo 215-A, porque o seu preceito secundário, ao estipular a pena de um a cinco de reclusão, de forma expressa condiciona: "se o ato não constitui crime mais grave".

O revisor também citou que o Superior Tribunal de Justiça estabeleceu o Tema 1.121, em 8 de junho de 2022, conforme o qual não é possível a desclassificação do crime do artigo 217-A para o do artigo 215-A quando a vítima for menor de 14 anos.

De acordo com o tema, "presente o dolo específico de satisfazer a lascívia própria ou de terceiro, a prática de ato libidinoso com menor de 14 anos configura o crime de estupro de vulnerável, independentemente da ligeireza ou da superficialidade da conduta".

"Dessa forma, considerando que o STJ é competente para interpretar, em única ou última instância, a lei federal infraconstitucional, nos termos do que dispõe o artigo 105 da Constituição Federal, improsperável a pretensão desclassificatória articulada pela defesa", concluiu Grion.

Voto vencido
Relator da apelação, o desembargador Milton Lívio Salles admitiu que o réu "realmente constrangeu a vítima de alguma maneira". O julgador também demonstrou ciência do Tema 1.121 e reconheceu a competência do STJ para uniformizar a jurisprudência e interpretar lei federal infraconstitucional.

No entanto, Salles votou pelo improvimento da apelação sob a justificativa de que o tema do STJ "impede o magistrado de julgar de acordo com o seu livre convencimento, após a análise do conjunto probatório".

"Observados os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, é imperiosa a análise minuciosa do caderno probatório, sendo forçoso reconhecer a desproporção entre a ofensa advinda do ato denunciado e a pena cominada para sua punição — oito de reclusão", argumentou o relator.

De acordo com Salles, embora reprovável, a conduta do apelado não se reveste da mesma gravidade e intensidade que uma conjunção carnal ou um ato libidinoso de natureza mais invasiva (sexo anal e oral, por exemplo). Conforme os autos, o réu apalpou a criança por cima das roupas que ela vestia.

Apelação criminal 1.0035.12.010281-5/001


Por Eduardo Velozo Fuccia

Fonte: Conjur

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