Pular para o conteúdo principal

Delação não ligada à investigação original pode ser usada em outros processos

Se em um acordo de colaboração premiada o colaborador revelar crimes que não sejam relacionados à investigação original, tais delitos e suas provas devem receber o mesmo tratamento dos que forem descobertos fortuitamente. Portanto, podem ser usados em outros processos. Esse foi o entendimento firmado nesta terça-feira (8/11), por unanimidade, pela 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal.

O ex-juiz da 11ª Vara da Fazenda Pública do Rio de Janeiro João Luiz Amorim Franco foi acusado pelo Ministério Público estadual de vender sentenças e cobrar valores em troca de nomeações para perícias judiciais, especialmente em favor do perito Charles Fonseca William. Por causa disso, ele foi aposentado compulsoriamente pelo Tribunal de Justiça fluminense.

Em outro caso, Charles William foi preso preventivamente por ordem do juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio. Ele foi acusado de receber R$ 5 milhões de propina da Federação das Empresas de Transporte de Passageiros do Estado do Rio (Fetranspor).

O perito, então, firmou acordo de colaboração premiada com o Ministério Público Federal e com o MP-RJ, e relatou fatos envolvendo a Fetranspor e o esquema com o ex-juiz.

Esse acordo de colaboração foi questionado pela defesa de Franco. O mecanismo pode ser firmado em casos de investigação de organizações criminosas, conforme a Lei 12.850/2013, mas, segundo os defensores do ex-juiz, não há organização criminosa na apuração que envolve Franco, apenas no caso da Fetranspor. Dessa maneira, argumentou a defesa, as acusações contra o ex-julgador feitas pelo delator não deveriam valer.

Além disso, a defesa sustentou que o recente precedente do Superior Tribunal de Justiça sobre a questão não respeitou o espírito da Lei 12.850/2013. Para a 6ª Turma da corte, é cabível a celebração de acordo de colaboração premiada em quaisquer crimes cometidos em concurso de agentes, e não apenas se houver investigação pelo delito de organização criminosa.

Com base no voto do ministro Dias Toffoli no Habeas Corpus 127.483, o relator do caso, ministro Luiz Fux, argumentou que crimes relatados pelo delator que não sejam relacionados à investigação original devem receber o mesmo tratamento dos descobertos fortuitamente, ou seja, as provas relacionadas a ele podem ser usadas pela acusação e pelo juízo, pois foram obtidas de boa-fé.

Assim, Fux concluiu que o MP-RJ pode usar a narrativa e as evidências do perito contra o ex-juiz no processo que apura venda de sentenças e cobrança de valores em troca de nomeação para a elaboração de laudos técnicos.

O voto do relator foi seguido pelos ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli e Cármen Lúcia.

RHC 219.193



Por Sérgio Rodas
Fonte: Conjur

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

STJ e o reconhecimento do tráfico privilegiado

Sem constatar adequada motivação para o afastamento do tráfico privilegiado — causa de diminuição de pena voltada àqueles que não se dedicam a atividade ilícita —, o ministro João Otávio de Noronha, do Superior Tribunal de Justiça, concedeu de ofício ordem de Habeas Corpus para reconhecer o direito de um condenado à minorante da sua pena. O magistrado determinou que o juízo de primeiro grau refaça a dosimetria da pena de acordo com tais premissas, bem como analise o regime inicial mais adequado à nova punição e a possibilidade de conversão da pena em restritiva de direitos. O homem foi condenado a sete anos e seis meses de prisão em regime fechado, além de 750 dias-multa, pela prática de tráfico de drogas. A pena-base foi aumentada levando-se em conta a quantidade de droga apreendida (157 quilos de maconha), o que levou à presunção de dedicação a atividades criminosas. O Tribunal de Justiça de São Paulo manteve a decisão, que transitou em julgado. O ministro relator lembr...

Lugar do crime: teoria da ubiquidade (CP) ou do resultado (CPP)?

Eudes Quintino de Oliveira Junior Muitas vezes, ao se analisar os dispositivos contidos em nossa legislação (sejam de direto material ou processual), verifica-se que há regras aparentemente distintas e contraditórias, o que fatalmente acarreta uma série de dúvidas aos operadores do Direito, sem falar ainda dos estudantes do bacharelado e dos concursos públicos. Com efeito, dispõe o artigo 6º, do CP, que: considera-se praticado o crime no momento da ação, ou da omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado. Já o artigo 70, do CPP, diz que a competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou , no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução. Pois bem, está caracterizada a aparente antinomia na área penal, em tema de lugar do crime. Os ventos são indicadores de furacão nos mares do sul. O CP diz que deve se considerar, como local onde praticada a infração penal, o lugar onde t...

Novo padrão probatório para testemunho policial em condenações criminais

Há tempos consolidou-se em nossos tribunais o entendimento pela validade dos depoimentos prestados por agentes estatais, havendo inclusive julgados afirmando que mereceriam maior crédito porque prestados por servidores, no exercício de suas funções. Entretanto, recentes decisões judiciais têm causado alteração no padrão de provas anteriormente exigido apontando no sentido de que as palavras dos policiais, como toda prova testemunhal, são passíveis de falhas, o que  recomenda (ou exige) a adoção, por parte do Estado, de cautelas maiores que a de simplesmente carrear à defesa o ônus de comprovar a parcialidade do agente ou de equívoco fático em seu testemunho. Não se pretende aqui colocar em xeque indistintamente a idoneidade dos agentes estatais, mas apenas apontar que a falibilidade de nossa memória e, portanto, da prova testemunhal em si, recomenda, como padrão probatório mínimo a fundamentar condenações criminais, a exigência de elementos outros, antes impossíveis devido ao "est...