Pular para o conteúdo principal

Estudante de Direito é condenado por chamar colegas de 'pretas do cão'

Nos crimes de racismo, a versão da vítima é elemento de elevada relevância para convencer o julgador, principalmente se estiver respaldada por outras provas. Essa observação consta do acórdão do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) que negou provimento à apelação de um estudante. O colegiado manteve a sentença que o condenou a prestar serviços comunitários por chamar duas colegas de faculdade de "pretas do cão".

O episódio aconteceu no município de Barreiras (BA), dentro da classe, durante uma aula de Direito Constitucional. Por conta de conversas paralelas à sua explanação, o professor pediu silêncio e o recorrente, referindo-se às vítimas, declarou: "essas pretas do cão não calam a boca". Uma das alunas começou a chorar e saiu do recinto, acompanhada pela colega que também foi injuriada.

Sob a alegação de ter dito com "outra conotação" a expressão ouvida pelas vítimas, o réu negou o crime e sua defesa pleiteou a absolvição por atipicidade do fato. Porém, o relator da apelação, juiz substituto de 2º grau Antônio Carlos da Silveira Símaro, da 1ª Turma da 2ª Câmara Criminal do TJ-BA, considerou "sobejamente comprovada a autoria e a materialidade do crime imputado ao apelante".

Uma colega das vítimas, que estava na classe, confirmou no inquérito e em juízo a ofensa racista feita pelo acusado. A testemunha disse que pediu respeito ao réu e ele ainda ironizou, mandando os incomodados procurarem a direção. Segundo o professor, ele não ouviu a ofensa porque estava de costas para a classe, mas conversou com as estudantes injuriadas logo após, enquanto uma chorava, e elas lhe relataram o ocorrido.

"As versões das ofendidas, apoiadas nas demais circunstâncias e provas dos autos, são elementos de convicção de alta importância ao julgador, especialmente em crimes dessa natureza", concluiu o relator. Os demais integrantes da turma julgadora seguiram o voto. O colegiado manteve a sentença condenatória, sem qualquer reparo na dosimetria da pena, fixada no patamar mínimo. O Ministério Público não recorreu.

Lei antiga
Como o episódio aconteceu em 2017, o apelante foi condenado sob a égide do antigo delito de injúria racial, punível com reclusão de um a três anos, que era descrito no artigo 140, parágrafo 3º, do Código Penal. Com o advento da Lei 14.532, de 11 de janeiro de 2023, esse crime foi tipificado como racismo. Ele teve a sanção elevada para dois a cinco anos e agora está previsto no artigo 2º-A da Lei 7.716/1989.

O universitário foi condenado a um ano de reclusão, em regime aberto, e ao pagamento de dez dias-multa. Pelo fato de o réu preencher os requisitos do artigo 44 do CP, ele teve a sanção restritiva de liberdade substituída por prestação de serviços à comunidade, nos termos do parágrafo 2º do mesmo artigo. O valor de cada dia-multa foi definido em um décimo do salário mínimo vigente à época do crime.

Processo 0502494-64.2018.8.05.0022


Por Eduardo Velozo Fuccia
Fonte: Conjur

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

STJ e o reconhecimento do tráfico privilegiado

Sem constatar adequada motivação para o afastamento do tráfico privilegiado — causa de diminuição de pena voltada àqueles que não se dedicam a atividade ilícita —, o ministro João Otávio de Noronha, do Superior Tribunal de Justiça, concedeu de ofício ordem de Habeas Corpus para reconhecer o direito de um condenado à minorante da sua pena. O magistrado determinou que o juízo de primeiro grau refaça a dosimetria da pena de acordo com tais premissas, bem como analise o regime inicial mais adequado à nova punição e a possibilidade de conversão da pena em restritiva de direitos. O homem foi condenado a sete anos e seis meses de prisão em regime fechado, além de 750 dias-multa, pela prática de tráfico de drogas. A pena-base foi aumentada levando-se em conta a quantidade de droga apreendida (157 quilos de maconha), o que levou à presunção de dedicação a atividades criminosas. O Tribunal de Justiça de São Paulo manteve a decisão, que transitou em julgado. O ministro relator lembr...

Lugar do crime: teoria da ubiquidade (CP) ou do resultado (CPP)?

Eudes Quintino de Oliveira Junior Muitas vezes, ao se analisar os dispositivos contidos em nossa legislação (sejam de direto material ou processual), verifica-se que há regras aparentemente distintas e contraditórias, o que fatalmente acarreta uma série de dúvidas aos operadores do Direito, sem falar ainda dos estudantes do bacharelado e dos concursos públicos. Com efeito, dispõe o artigo 6º, do CP, que: considera-se praticado o crime no momento da ação, ou da omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado. Já o artigo 70, do CPP, diz que a competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou , no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução. Pois bem, está caracterizada a aparente antinomia na área penal, em tema de lugar do crime. Os ventos são indicadores de furacão nos mares do sul. O CP diz que deve se considerar, como local onde praticada a infração penal, o lugar onde t...

Novo padrão probatório para testemunho policial em condenações criminais

Há tempos consolidou-se em nossos tribunais o entendimento pela validade dos depoimentos prestados por agentes estatais, havendo inclusive julgados afirmando que mereceriam maior crédito porque prestados por servidores, no exercício de suas funções. Entretanto, recentes decisões judiciais têm causado alteração no padrão de provas anteriormente exigido apontando no sentido de que as palavras dos policiais, como toda prova testemunhal, são passíveis de falhas, o que  recomenda (ou exige) a adoção, por parte do Estado, de cautelas maiores que a de simplesmente carrear à defesa o ônus de comprovar a parcialidade do agente ou de equívoco fático em seu testemunho. Não se pretende aqui colocar em xeque indistintamente a idoneidade dos agentes estatais, mas apenas apontar que a falibilidade de nossa memória e, portanto, da prova testemunhal em si, recomenda, como padrão probatório mínimo a fundamentar condenações criminais, a exigência de elementos outros, antes impossíveis devido ao "est...