Pular para o conteúdo principal

STF: Estado deve provar que não é culpado por morte em operação policial

O Estado deve indenizar familiares de vítima de operação policial quando não comprovar que a ação foi legal e que não houve culpa dos agentes pelos danos causados. O entendimento é da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, que decidiu nesta terça-feira (28/3) condenar o estado do Rio de Janeiro a pagar indenização à família de uma criança de três anos morta durante operação da polícia.

O caso julgado envolve Luiz Felipe Rangel Bento, criança de três anos que foi baleada enquanto dormia em sua casa, no Morro da Quitanda, zona norte do Rio. O incidente ocorreu em 2014. Luiz não sobreviveu. A família do menino receberá R$ 200 mil de indenização. 

Na prática, a corte decidiu que o Estado pode ser responsabilizado pela morte de vítima de disparo de arma de fogo durante operações policiais ou militares, mesmo quando a perícia que determina a origem do disparo é inconclusiva. 

Venceu o voto do ministro Gilmar Mendes, para quem cabe ao Estado comprovar, com medidas como câmeras e peritos, se a operação foi legal e se os danos causados foram ou não cometidos pelos agentes. Gilmar foi acompanhado pelos ministros Edson Fachin, Ricardo Lewandowski e André Mendonça. O ministro Nunes Marques, relator do caso, ficou vencido. 

"O Estado fere e mata diariamente seus cidadãos, especialmente em comunidades carentes. A definição da responsabilidade civil do Estado não pode desconsiderar esse aspecto", ponderou Gilmar em seu voto. O ministro lembrou que o Supremo ordenou que o estado do Rio elabore um plano de redução da letalidade policial (ADPF 635).

Ainda segundo Gilmar, a definição da responsabilidade civil do Estado não pode ignorar esse cenário de violência, "sob pena de ressuscitar" o "paradigma da irresponsabilidade estatal". 

"Os policiais militares não utilizavam câmeras corporais, tampouco
foi realizado qualquer tipo de exame balístico apto a esclarecer a
dinâmica dos fatos ou perícia no local do evento lesivo — o projétil sequer foi encontrado; providências, aliás, essenciais no contexto da redução da letalidade das operações policiais", prosseguiu o ministro. 

Por fim, Gilmar afirmou que a única informação sobre a operação veio do depoimento dos policiais militares, que disseram não ter disparado arma de fogo, evidência considerada frágil pelo ministro. 

"O aparato estatal apresenta condições de elucidar as causas e
circunstâncias do evento danoso, demonstrando a conformidade de sua
atuação. Portanto, ausente a comprovação pelo Estado de culpa exclusiva
da vítima, fato de terceiro ou outra circunstância interruptiva do nexo
causal, mostra-se inafastável o dever de indenizar."

Ao fim do julgamento, o ministro André Mendonça se desculpou com a família da vítima pela demora para a solução do caso. O tribunal discutiu a possibilidade de determinar que a primeira instância fixasse o valor da indenização, mas considerou que a remessa atrasaria ainda mais a reparação devida à família do menino, morto há nove anos.  

"Fugindo do padrão, (faço) um pedido de desculpa em nome do Estado brasileiro. Que esse reconhecimento que a Justiça ora faz possa minimizar a dor e trazer a esperança e a boa memória dessa criança que se foi", afirmou Mendonça.

Inicialmente, o ministro entendeu que caberia indenização porque o Rio de Janeiro foi omisso ao não elucidar o caso. Ele decidiu, no entanto, aderir integralmente ao voto de Gilmar. 

Voto do relator
Para Nunes Marques, que ficou vencido, não foi comprovado que o tiro partiu de um dos policiais militares. De acordo com ele, a responsabilidade civil do Estado se estabelece em relação aos efeitos diretos e imediatos causados pela conduta do agente. Determinar a indenização sem certeza sobre a origem do disparo, disse ele, seria o mesmo que admitir que existe presunção absoluta de responsabilização do Estado durante operações. 

"Da análise e valoração do suporte fático probatório destes autos, é razoável concluir pela ausência de elementos aptos a demonstrar qualquer desconformidade na atuação do Estado", afirmou Nunes Marques. 

O magistrado também considerou que não foi possível a produção de prova técnica necessária para esclarecer os fatos e que todos os policiais ouvidos disseram que não dispararam arma de fogo. 

"Os depoimentos dos policiais foram uníssonos no sentido de que não houve disparos por integrantes das duas equipes responsáveis pela operação, não parecendo crível que todos eles estivessem faltando com a verdade."

Clique AQUI para ler o voto do ministro Gilmar Mendes
ARE 1.382.159



Por Tiago Angelo
Fonte: Conjur

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

STJ e o reconhecimento do tráfico privilegiado

Sem constatar adequada motivação para o afastamento do tráfico privilegiado — causa de diminuição de pena voltada àqueles que não se dedicam a atividade ilícita —, o ministro João Otávio de Noronha, do Superior Tribunal de Justiça, concedeu de ofício ordem de Habeas Corpus para reconhecer o direito de um condenado à minorante da sua pena. O magistrado determinou que o juízo de primeiro grau refaça a dosimetria da pena de acordo com tais premissas, bem como analise o regime inicial mais adequado à nova punição e a possibilidade de conversão da pena em restritiva de direitos. O homem foi condenado a sete anos e seis meses de prisão em regime fechado, além de 750 dias-multa, pela prática de tráfico de drogas. A pena-base foi aumentada levando-se em conta a quantidade de droga apreendida (157 quilos de maconha), o que levou à presunção de dedicação a atividades criminosas. O Tribunal de Justiça de São Paulo manteve a decisão, que transitou em julgado. O ministro relator lembr...

Lugar do crime: teoria da ubiquidade (CP) ou do resultado (CPP)?

Eudes Quintino de Oliveira Junior Muitas vezes, ao se analisar os dispositivos contidos em nossa legislação (sejam de direto material ou processual), verifica-se que há regras aparentemente distintas e contraditórias, o que fatalmente acarreta uma série de dúvidas aos operadores do Direito, sem falar ainda dos estudantes do bacharelado e dos concursos públicos. Com efeito, dispõe o artigo 6º, do CP, que: considera-se praticado o crime no momento da ação, ou da omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado. Já o artigo 70, do CPP, diz que a competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou , no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução. Pois bem, está caracterizada a aparente antinomia na área penal, em tema de lugar do crime. Os ventos são indicadores de furacão nos mares do sul. O CP diz que deve se considerar, como local onde praticada a infração penal, o lugar onde t...

Novo padrão probatório para testemunho policial em condenações criminais

Há tempos consolidou-se em nossos tribunais o entendimento pela validade dos depoimentos prestados por agentes estatais, havendo inclusive julgados afirmando que mereceriam maior crédito porque prestados por servidores, no exercício de suas funções. Entretanto, recentes decisões judiciais têm causado alteração no padrão de provas anteriormente exigido apontando no sentido de que as palavras dos policiais, como toda prova testemunhal, são passíveis de falhas, o que  recomenda (ou exige) a adoção, por parte do Estado, de cautelas maiores que a de simplesmente carrear à defesa o ônus de comprovar a parcialidade do agente ou de equívoco fático em seu testemunho. Não se pretende aqui colocar em xeque indistintamente a idoneidade dos agentes estatais, mas apenas apontar que a falibilidade de nossa memória e, portanto, da prova testemunhal em si, recomenda, como padrão probatório mínimo a fundamentar condenações criminais, a exigência de elementos outros, antes impossíveis devido ao "est...