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Exame de DNA pode reabrir ações de paternidade

Por Rodrigo Haidar

O uso do exame de DNA como prova para condenar ou absolver suspeitos de crimes e relevar ou sepultar laços familiares é francamente aceito pela Justiça de todos os países civilizados. Ações de investigação de paternidade, que até pouco tempo rendiam volumes e mais volumes de processos recheados de depoimentos de amigos e familiares e acusações mútuas entre a mãe e o suposto pai de uma criança, têm sido resolvidas com muito mais brevidade e certeza graças à novidade proporcionada pela ciência.

Se de um lado a evolução científica ajuda a encerrar com mais celeridade um punhado de ações, de outro fez nascer uma nova discussão nos tribunais brasileiros: o Judiciário pode reabrir processos em que o filho não teve reconhecida a paternidade por falta de provas porque à época não havia a possibilidade de se fazer o teste do material genético? Ou rediscutir os casos em que a paternidade foi reconhecida e até hoje o pai contesta o resultado da ação?

Na última quinta-feira (7/4), o Supremo Tribunal Federal começou a discutir um recurso sobre a matéria. Para o relator do processo, ministro Dias Toffoli, as discussões têm de ser reabertas, mesmo que as decisões de negativa de paternidade já tenham se tornado, sob a ótica do Direito, definitivas. O julgamento não foi concluído porque o ministro Luiz Fux pediu vista do recurso.

De acordo com Toffoli, a segurança jurídica não pode sobrepor o direito de um cidadão de conhecer suas origens. O ministro afirmou que, em matéria de direito de filiação, é necessário permitir “que a verdade sobre a origem biológica seja investigada e que uma resposta calcada em critérios técnicos de absoluta veracidade seja proferida pela Justiça”.

Em seu voto, de 47 páginas, o ministro traça um histórico da legislação no que diz respeito ao direito dos filhos de serem reconhecidos por seus pais. Toffoli mostra que, “ainda que sob o protesto de alguns civilistas”, no regime jurídico inaugurado pelo Código Civil de 1916 era impossível “o reconhecimento de filhos incestuosos e adulterinos, sendo igualmente vedadas ações de investigação de paternidade contra homens casados, bem como de maternidade, se tivesse por fito atribuir prole ilegítima à mulher casada, ou incestuosa à solteira”.

Dias Toffoli continua detalhando a legislação sobre relações familiares ao longo da história, até os dias atuais, em que a Constituição “dissipou qualquer dúvida sobre a plena igualdade entre as diversas categorias de filhos, outrora existentes, vedada qualquer designação discriminatória que fizesse menção à sua origem”.

No caso em discussão, o que impediu a realização do teste de DNA foi o fato de a mãe da criança não ter dinheiro para custear o exame. Com a falta de provas, o processo foi julgado, o reconhecimento da paternidade rejeitado e a decisão se tornou definitiva. Mais de 20 anos depois de a primeira ação ter sido ajuizada, o caso que chegou ao Supremo coloca em rota de colisão dois princípios caros ao Estado Democrático de Direito: o da segurança jurídica da coisa julgada e o da busca da verdade.

Apesar de no processo o exame não ter sido feito especificamente por falta de dinheiro, deságuam cada vez em maior volume da Justiça casos em que o teste do material genético não foi feito simplesmente porque ainda não existia essa possibilidade à época do processo.

Segurança jurídica

O volume de recursos que discute a questão é grande no Superior Tribunal de Justiça, por exemplo. Até que ponto novas descobertas científicas e o avanço tecnológico podem ser usados para desconstituir decisões definitivas da Justiça?

Entrevistados pelo Anuário da Justiça Brasil 2011, a maioria dos ministros da 2ª Seção do STJ, responsável por julgar recursos de Direito de Família, afirmou que deve prevalecer a segurança jurídica da coisa julgada.

Para o ministro Aldir Passarinho Junior, que se aposenta em uma semana, a palavra da Justiça só deve ser revista em caso de fraude ou cerceamento de defesa no processo que gerou a decisão. “Em nome da estabilidade jurídica, o Judiciário não deve rever suas decisões a cada inovação tecnológica”, disse.

O ministro Luis Felipe Salomão concorda com o colega: “Não se pode abrir mão da coisa julgada. Se permitirmos isso, a cada avanço tecnológico as decisões terão de ser revistas e a segurança jurídica, que é nosso maior patrimônio, deixa de existir”.

Os ministros Sidnei Beneti e João Otávio de Noronha também já decidiram nesse sentido. Ao julgar um recurso (Resp 646.140) em que negou exame de DNA para fundamentar Ação Negatória de Paternidade, Noronha afirmou que “é inviável a reforma de decisão acobertada pelo manto da coisa julgada, ainda que tenha sido proferida com base em tecnologia já superada”.

Já o ministro Beneti rejeitou o pedido de teste genético de um pai que contestava a paternidade reconhecida nos anos 1990 (Resp 895.545): “Visando à segurança jurídica, deve ser preservada a coisa julgada nas hipóteses de ajuizamento de nova ação reclamando a utilização de meios modernos de prova (DNA) para apuração da paternidade”.

Apenas o ministro Massami Uyeda admitiu a reabertura da discussão sobre a paternidade. Para ele, “na busca da verdade real, pode-se admitir novas provas nos casos de investigação de paternidade com o avanço das técnicas de apuração”.

A ministra Nancy Andrighi afirmou que é necessário avaliar os casos específicos de cada recurso: “O tema da filiação deve ser analisado sob as balizas das peculiaridades apresentadas em cada processo, sem aplicação generalizada de raciocínios herméticos, tampouco com decisões lastreadas unicamente no resultado da perícia genética. O juiz deve sempre buscar solução que atenda ao melhor interesse da criança. Há casos nos quais deve prevalecer a filiação socioafetiva, ainda que em descompasso com a verdade biológica”.

Direito à identidade

O Supremo voltará a se manifestar sobre o tema quando o ministro Luiz Fux trouxer seu voto a julgamento. Como ressaltou o ministro Dias Toffoli no julgamento da semana passada, está em jogo um “conflito entre princípios, tendo, de um lado, a segurança jurídica, e, do outro, a dignidade humana e a paternidade responsável”.

Ao votar, Toffoli registrou que o STF já discutiu a importância do direito das pessoas de conhecer a verdade sobre sua origem biológica. O caso foi relatado pelo então ministro Maurício Corrêa (RE 248.869/SP). “Embora não dissesse respeito, especificamente, à matéria em debate nestes autos, encerra preciosas lições a respeito do tema aqui em discussão”, disse Toffoli.

De acordo com o ministro, aquele julgamento representa “contundente tomada de posição quanto ao direito indisponível à busca da verdade real, no contexto de se conferir preeminência ao direito geral da personalidade”.

O ministro Dias Toffoli ressaltou, em seu voto, que relações familiares não se estabelecem por decisão judicial. Também afirmou que “relações baseadas em caracteres não-biológicos, porque dotadas de conteúdo humano e afetivo, devem ser, via de regra, respeitadas e prestigiadas”. Apesar das considerações, para o ministro, a Justiça não pode deixar de dar uma resposta eficiente a um homem que busca ter certeza de sua origem biológica.

De acordo com Toffoli, o Supremo deve permitir a relativização da coisa julgada neste caso até para que o Congresso Nacional se atente para a importância da discussão e estabeleça regras claras sobre o tema. Segundo o ministro, a decisão “certamente influirá no sentido de que o Poder Legislativo da nação também avance nesse sentido, editando norma legal expressa a prever que, em hipóteses como essa descrita nestes autos, não se estabeleça coisa julgada em ações investigatórias de paternidade cujo veredicto decorreu de uma deficiente e inconclusiva instrução probatória”.


Fonte: Conjur

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