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Desconsideração da Personalidade Jurídica

Fábio Melo Duran

Infelizmente, o mundo dos negócios por vezes acaba levando os credores a uma verdadeira batalha para receber pelos produtos que venderam ou pelo serviço que prestaram.

Chegado o momento da recompensa pelo suado trabalho, os credores se deparam com verdadeiras “empresas fantasmas” que existem no papel, mas na prática não tem patrimônio, foram repassadas a “laranjas” ou ainda encerradas irregularmente.

Diante deste cenário, nada pode ser feito, uma vez que a pessoa jurídica não se confunde com a de seus verdadeiros sócio-integrantes nem com a de seus administradores, certo? Errado!

A pessoa jurídica nada mais é do que uma criação técnica do Direito para a consecução de certos fins, no entanto, não são raros os casos em que a pessoa jurídica se desvia de sua finalidade para atingir fins escusos ou prejudicar terceiros, mesmo porque, apesar da pessoa jurídica ser distinta de seus membros são estes que lhe dão vida e agem em seu nome.

Neste contexto, onde os dirigentes da pessoa jurídica agem de modo que a empresa atue diferentemente de sua finalidade, surgiu no direito anglo-saxão a teoria denominada disregard of legal entity, conhecida no Brasil como teoria da desconsideração da pessoa jurídica.

A teoria do disregard of legal entity parte da premissa que a personalidade jurídica não constitui um direito absoluto, mas está sujeita e contida na teoria da fraude contra credores e pela teoria do abuso do direito.

No Brasil, a Consolidação das Leis do Trabalho foi a primeira a prever, ainda que timidamente, a desconsideração da pessoa jurídica em prol de maior proteção ao trabalhador.

No âmbito do Direito Civil/Comercial, diante do crescente número de empresários que se escondiam maliciosamente sob o manto da pessoa jurídica para lesar terceiros, a jurisprudência passou a aplicar a teoria da desconsideração da personalidade jurídica antes mesmo desta estar prevista em texto legal.

No âmbito legislativo, em que pese a redação primitiva do Projeto do Código Civil de 1975 prevendo de maneira confusa a teoria do “disregard of legal entity”, foi somente em 1990 com o Código de Defesa do Consumidor que a desconsideração da pessoa jurídica tornou-se norma no Brasil. Posteriormente, a desconsideração também foi inserida na Lei de Infrações à Ordem Econômica (8.884/94), Lei do Meio Ambiente (9.605/98) e finalmente no Código Civil de 2002.

A legislação brasileira não enumera de maneira taxativa quando a pessoa jurídica pode ser desconsiderada, pelo contrário, a fraude que pode ocasionar a quebra da personalidade jurídica é apontada de maneira múltipla e genérica, onde culpa e dolo não são avaliados com profundidade já que a despersonalização é aplicação do princípio do reequilíbrio trazido pelo direito moderno.

Há ainda a diferenciação entre a “teoria menor” e a “teoria maior”, sendo esta mais exigente do que aquela. No Brasil, a “teoria maior” é regra, já a “teoria menor” só é aplicada em casos excepcionais quando o bem afetado tem maior relevância, como por exemplo, em caso de danos ambientais ou ao consumidor.

Cabe ao advogado (ou Ministério Público) apresentar no caso concreto de maneira convincente para só então o juiz concluir ser caso ou não de desconsiderar a personalidade jurídica e, por consequência, buscar de maneira gradativa os bens dos verdadeiros responsáveis pela dívida, podendo, inclusive, decretar a extinção da pessoa jurídica.

A aplicação da teoria da desconsideração da pessoa jurídica é bastante aplicada atualmente no Brasil, sendo comum o aparecimento dos responsáveis pela dívida somente após a despersonalização da empresa e o bloqueio da conta dos verdadeiros responsáveis pelo débito.

A criatividade do empresário tem obrigado o judiciário a aprimorar a teoria da despersonalização da pessoa jurídica. Já há casos em que pessoas físicas se utilizam de pessoas jurídicas para não cumprir as obrigações pessoais assumidas. Nesses casos, os juízes têm aplicado excepcionalmente a desconsideração inversa quando presentes os mesmos elementos fraudulentos exigidos para decretar a desconsideração da pessoa jurídica.

Diante da flexibilização da teoria do disregard of legal entity por parte do judiciário, há juristas alertando para o fato que a ampla aplicação dessa teoria poderia desestimular grandes investimentos.

No entanto, a ministra do STJ (Superior Tribunal de Justiça) Nancy Andrighi não concorda e afirma que a flexibilização da teoria da desconsideração da pessoa jurídica se faz necessária diante da existência de criminosos que buscam constantemente novos artifícios para burlar a legislação: “O que de início pode parecer exagero ou abuso de tribunais na interpretação da lei, logo se mostra uma inovação necessária”.

Em que pese a teoria da desconsideração da pessoa jurídica estar hoje prevista na legislação brasileira e ser amplamente utilizada, não há qualquer norma que regule o procedimento que deve ser adotado para sua decretação.

Visando preencher essa lacuna, o Projeto para o Novo Código de Processo Civil prevê as regras para o procedimento de decretação da quebra da personalidade jurídica. Se aprovado o Projeto da maneira como foi redigido, a despersonalização deve gerar um incidente a parte dos autos principais e só poderá ser decretada depois de ouvida a outra parte, ou seja, depois de apresentada a defesa dos supostos sócios fraudadores.

O dispositivo nem foi aprovado e já causa polêmica dentre os juristas. De um lado estão aqueles que aplaudem a iniciativa que visa evitar a decretação da desconsideração da pessoa jurídica sem o respeito do direito de defesa prévio.

Do outro lado estão aqueles que entendem que na prática a exigência do contraditório poderá tornar teoria da desconsideração da pessoa jurídica inútil, já que muitas vezes só é possível encontrar os verdadeiros responsáveis pelos atos da pessoa jurídica quando os bens de seus sócios entram em jogo após o bloqueio judicial.

A criação de um procedimento para a decretação da quebra da personalidade é extremamente importante por representar maior segurança jurídica, todavia, vamos torcer e lutar para que o legislador respeite a natureza da teoria da desconsideração da pessoa jurídica ao legislar sobre seu procedimento para não torná-la inútil

Fonte: Última Instância

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