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Direitos Humanos e Modalidades de Policiamento

MASSILON DE OLIVEIRA E SILVA NETO*

Direitos humanos e Polícia Comunitária. Títulos e conceitos facilmente ligados pelos profissionais de segurança pública e pelos envolvidos no processo de “proximidade” dos órgãos de segurança pública -principalmente a Polícia Militar- e a população. Mas… e as outras modalidades de policiamento diversas da polícia comunitária? Não são igualmente adequados aos princípios e fundamentos de direitos humanos? Na busca de profissionalização e legitimidade da Polícia as modalidades de policiamento diversas do policiamento comunitário estão fadadas à extinção? deve-se priorizar unicamente o policiamento comunitário e suas vertentes, no seio de locais onde se concentra a população menos favorecida? As outras modalidades de policiamento, e mais especificamente o Policiamento voltado ao gerenciamento de crises e operações especiais devem ser extintos, por serem “muito agressivos” e não apresentarem sintonia com os preceitos de direitos fundamentais? Procuraremos, neste artigo, a resposta para estas e outras questões.

O ex-Secretário Nacional de segurança Pública, Ricardo Balestreri, possuidor de imensa sensatez no que tange aos assuntos policiais, mormente no que tange à causa dos Direitos humanos relacionados à profissão Policial diz, em seus livros, que os órgãos policiais não devem defender os direitos humanos!? Paradoxal, em princípio, o pensamento torna-se cristalino quando complementado, pois Balestreri diz que a profissão policial é extremamente nobre, na medida em que seus integrantes voluntariam-se a SERVIR e, por isto, não podem, simplesmente, defender os direitos humanos devendo, sim, PROMOVÊ-LOS, na medida em que estão intrinsecamente relacionados, embrionariamente ligados, pois os direitos humanos são a razão de ser do serviço policial, chegando ao ponto de serem a condição sine qua non de sua existência.

Sob esta ótica, evidencia-se que, longe de serem antagônicos, os responsáveis pela execução da modalidade de Polícia Comunitária (ou Polícia de Proximidade) e os Policiais responsáveis pelas Ações Táticas e Operações Especiais são partes que se complementam, na medida em que aqueles atuam junto à população, convivendo diariamente com o cidadão, que o conhece e o identifica como um ponto de apoio, próximo, tangível, ao seu alcance. Uma Polícia com nome e rosto conhecido, materializada em um policial com um papel essencial de educador, eminentemente preventivo e que, ao mesmo tempo, mistura-se com a atividade de ajudar, orientar, defender, servir, criando um ambiente propício à disseminação, promoção e defesa dos direitos humanos. Da mesma forma, atuando não de forma preventiva, não com o contato direto e diário com o cidadão, mas visando a mesma promoção e preservação dos direitos humanos, atuam os homens de ações táticas e de Operações Especiais, agindo naqueles momentos em que a primeira barreira foi atravessada, ou seja, o problema extrapolou a capacidade de ação da Polícia de proximidade, e extrapolou também a segunda barreira, quando o Policiamento motorizado das unidades de área (responsáveis pelo policiamento naquele local), agindo em apoio, não consegue resolver, com os recursos que lhe são disponibilizados, o problema. Nestes casos, entram em ação as unidades especializadas, que atuam a fim de buscar, através do emprego de meios e técnicas diferenciadas, uma solução aceitável, sob os aspectos legal, moral e ético.

Importante esclarecer que, nas ocasiões que necessitam de uma resposta especial por parte da Polícia, o fato de empregar equipamentos diferenciados, adequados à situação, e técnicas não convencionais, na busca da melhor solução, não coloca as unidades de gerenciamento de Crises e Operações Especiais da Polícia Militar em conflito com outras filosofias de policiamento, muito menos com os conceitos de direitos humanos consagrados na Constituição Federal e em diversas normas e tratados vigentes em nosso país. Na verdade, é justamente através da utilização de armas e táticas especiais (diferenciadas) que os direitos humanos são, em sua essência, preservados. O respeito ao cidadão e a profissionalização da Polícia se dá, exatamente, com o emprego da proporcionalidade na atuação dos meios empregados durante a resolução de uma crise. Ao contrário do que geralmente se pensa (e se propaga), considerações legais, morais e éticas são levadas a efeito durante a resolução de uma situação crítica, sendo todas as decisões fruto de considerações que envolvem os três aspectos a ponto de, às vezes, chegar-se até mesmo à conclusão da necessidade da retirada de uma vida, para a preservação de outra vida. Atuar desta forma, utilizando a força máxima do Estado, proporcionada por lei, na defesa de outrem, não pode representar outra coisa que não o total respeito aos direitos humanos.

Pelo exposto, fica evidente que, por sua natureza, deve-se utilizar as unidades especializadas apenas quando a situação o exigir, ou seja, quando a primeira e segunda malha, já citadas, não forem suficientes para resolver o problema, evitando assim a banalização de seu uso e, principalmente, respeitando-se a devida proporcionalidade na utilização dos meios policiais para a resolução de conflitos sociais. A prioridade no atendimento ao cidadão é da polícia de proximidade, devidamente apoiados pelo policiamento de área. Somente quando estes não conseguirem a resolução do problema, ou quando a situação for classificada como uma situação crítica, de responsabilidade exclusiva de unidades especializadas, devem as mesmas serem acionadas. Enquanto isto, durante o período em que não estão sendo empregados, seus integrantes devem dedicar-se a treinamentos e estudos específicos, e também a atuar como unidades-escola, em respeito aos três momentos de uma unidade desta natureza: TREINAR, DAR TREINAMENTO E OPERAR quando necessário, disseminando conhecimento e promovendo treinamentos aos integrantes das outras modalidades de policiamento de outras unidades da corporação, bem como cursos de capacitação a outras entidades externas à corporação, visando o esclarecimento e a difusão de métodos e técnicas de resolução de conflitos (um exemplo claro é a realização de cursos na área de Gerenciamento de Crises a integrantes do Poder Judiciário e do Ministério Público, bem como a outros atores geralmente envolvidos, à exemplo dos advogados), visando a capacitação técnica e o entrosamento entre os integrantes da corporação, que deverão, invariavelmente, trabalhar juntos, de forma coordenada, e a correta condução de situações críticas, quando ocorrerem, bem como a perfeita sintonia com outros órgãos que, de uma forma ou de outra, são chamados a participar do processo de resolução das crises, como os já citados -imprensa, OAB, Comissões de direitos humanos, dentre outros.

Assim, não há uma “escala de importância” ou uma “escala de valorização” do profissional que exerce esta ou aquela função dentro da Polícia, junto à sociedade. Não é “mais importante” ou deve ser “mais valorizado” o Policial que atua lidando diariamente com o cidadão, nem aquele que, atuando na modalidade motorizada, presta o imediato apoio ao primeiro, ou o policial das unidades de gerenciamento de crises e operações especiais, último recurso da instituição no que diz respeito ao emprego de técnicas e táticas, materiais, equipamentos e armamentos na busca da preservação dos direitos humanos. Todos, sem exceção, têm extrema importância dentro da corporação, como instrumentos de um dos mais importantes mecanismos estatais para o equilíbrio social, o serviço de policiamento. Devem sim, ser fortalecidos, corretamente formados e equipados para, atuando em conjunto, representarem uma eficaz estrutura de amparo, apoio e defesa do cidadão perante as mazelas sociais que atormentam diariamente a população.

Diante do exposto, claro fica o quanto são descabidas as defesas “apaixonadas” deste ou daquele tipo ou modalidade de policiamento (quase sempre em detrimento dos outros) a ser adotado(a) na instituição policial, fica evidente o desconhecimento de quem assim age, simplesmente pela constatação de que, por si só, nenhum deles é suficiente para resolver, por completo, os problemas da segurança pública, assegurando a necessária legitimidade da instituição polícia perante a sociedade. Invista-se apenas na polícia de proximidade (ou Polícia Comunitária), e graves problemas surgirão quando seus integrantes não conseguirem resolver qualquer conflito surgido com os seus meios disponíveis. Invista-se, maciçamente, em policiamento motorizado e a corporação policial perde a identidade, perde o contato e a proximidade com o cidadão, que conhecerá a polícia militar não por um nome e rosto, mas como um “vulto”, que passa, esporadicamente na rua, à bordo de uma viatura, intangível, desconhecido, além de tornar-se primariamente reativa (atuando após o cometimento do crime) e perdendo, significativamente, a capacidade preventiva (de agir antes do delito, a fim de evitá-lo). Por fim, invista-se apenas em Gerenciamento de Crises e Operações Especiais e teremos uma polícia preparada para as piores situações, as mais críticas, que necessitam de alto grau de especialização e treinamento. Porém, a contrapartida será uma polícia ainda mais reativa, que atua após a eclosão dos problemas mais graves que podem acontecer a uma sociedade.

Deve pois, haver, como supra exposto, um equilíbrio, um fortalecimento de todas as modalidades de policiamento, que devem coexistir, de maneira organizada, afinada, para atuar em conjunto, sintonizadas, coordenadas entre si. Alcançar este estágio profissional passa por uma formação adequada, que contemple as três esferas de atuação, de forma equalizada, igualitariamente, permitindo à instituição identificar o perfil adequado do profissional para a função a ser desempenhada, e também pela adoção de uma correta política interna, fortalecendo-se todas as esferas de atuação impedindo-se, assim, rivalidades e rupturas dentre os que exercem as diferentes modalidades de policiamento, e que fazem com que tais indivíduos, sendo companheiros de farda e de profissão, não trabalhem juntos, e que não haja cooperação, gerando um ambiente de desconfiança e críticas mútuas, que enfraquecem a instituição e a qualidade dos serviços prestados à população.

Quando este nível de conhecimento da complexa atividade policial for alcançada, teremos uma significativa diminuição de discursos que privilegiam a compra de viaturas e que pregam a presença, pura e simplesmente, da figura humana fardada nas ruas, sem a devida preparação para o trato com o cidadão e o desempenho da função, como se os problemas de segurança pública pudessem ser resolvidos desta forma simplória. Quando profissionais de polícia e gestores públicos agirem seguindo este raciocínio, um importante passo terá sido dado, e juntamente com outras medidas necessárias (que serão comentadas em outra oportunidade), a valorização profissional e pessoal virá, de forma indistinta e, com o crescimento da instituição, a população será recompensada com a melhoria do serviço prestado e também com a diminuição da criminalidade que, na verdade, aproveita-se das brechas e lacunas existentes internamente, nas instituições e externamente, entre as instituições.

Grande desafio para gestores, diretores, comandantes, profissionais e todos os envolvidos neste processo e que, exercendo o poder público buscam, indistintamente, objetivos comuns, quais sejam, a correta e equalizada aplicação de verbas, melhor prestação de serviços à sociedade, prevenção à criminalidade e proteção das pessoas e satisfação dos cidadãos quanto à segurança pública exercida pelo Estado, numa completa estrutura de respeito, preservação e principalmente, promoção dos direitos humanos, como bem cabe a toda e qualquer atividade que escolhe como cerne a mais nobre atividade que pode permear uma profissão: SERVIR!


 
MASSILON DE OLIVEIRA E SILVA NETO – Oficial da Polícia Militar do Estado de Mato Grosso do Sul. Especialista em Ciências Criminais (UNAMA/LFG), Especialista em Segurança Pública (UNIDERP/ANHANGUERA-MS), Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Museo Social Argentino-UMSA. Professor de Direito Penal, Direito Processual Penal e Legislação Penal Extravagante da Faculdade Estácio de Sá (MS).

Fonte: Atualidades do Direito

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