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No recebimento da denúncia, não cabe desqualificar depoimento de testemunha

Na fase de recebimento da denúncia, não cabe aferir se há outras interpretações possíveis para o que foi dito pelo colaborador ou pelas testemunhas, em verdadeira antecipação da análise da prova.

Com esse entendimento, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento a recursos em Habeas Corpus ajuizados por investigados por crimes de corrupção ativa e passiva na fiscalização de empresa de laticínios no Rio Grande do Sul.

As investigações estão lastreadas em colaboração premiada firmada por um dos envolvidos. As defesas pediram o trancamento da ação penal por entender que esse seria o único elemento a basear a denúncia, já oferecida e sob análise do juízo da causa.

Relator, o desembargador convocado Olindo Menezes deu razão aos acusados. Entendeu que, além das palavras do delator, a denúncia se embasa em depoimentos que não acrescentam nenhuma situação concreta que possa corroborar a existência do crime.

Afirmou que a denúncia não pode ser uma promessa de apuração da autoria: precisa apontar o agente, o que fez, o malefício causado, o lugar onde praticou o ato, com que meios, motivos e circunstâncias, o modo e o tempo. Só assim a defesa será exercida plenamente. Essa posição ficou vencida.

Abriu a divergência vencedora a ministra Laurita Vaz, para quem essa análise só poderá ser feita durante a instrução criminal, mediante o devido contraditório sob a supervisão do juiz da causa. Avançar, como fez o relator, significaria antecipar a análise da prova.

"Importante frisar que, na fase de recebimento da denúncia, não cabe aferir se há outras interpretações possíveis para o que foi dito pelo colaborador ou pelas testemunhas, consoante pretende a defesa, em verdadeira antecipação da análise da prova", disse a ministra.

"Do mesmo modo, tampouco é possível desqualificar de antemão o depoimento de uma das testemunhas, perquirindo se o ex-funcionário teria motivos para modificar o seu depoimento inicial e, assim, prejudicar os réus", acrescentou.

A falta de identidade entre o que foi relatado pelo colaborador e pelas testemunhas ainda poderá ser devidamente analisada. Para o recebimento da denúncia, no entanto, esse fator não tem influência. Em voto-vista, o ministro Sebastião Reis Júnior concordou com a divergência.

"O que o ordenamento jurídico repulsa são acusações infundadas, baseadas em presunções, ou consubstanciadas apenas na palavra do delator, mas existindo versão de testemunha compatível com a palavra do colaborador, justificada está a denúncia e a apuração melhor dos fatos pelo Juízo de conhecimento, por meio da persecução criminal", justificou.

RHC 168.256
RHC 168.257
RHC 186.266


Por Danilo Vital
Fonte: Conjur

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