Pular para o conteúdo principal

Direito de Família: Abandono Afetivo

Justiça ainda não se definiu sobre abandono afetivo
Por Marília Scriboni

“Não há como obrigar uma pessoa a amar outra”. Mais do que uma dura verdade, a frase é escrita reiteradas vezes em sentenças que tratam de um assunto que faz parte da vida de muitas crianças e adolescentes: o abandono afetivo. Sob esse argumento, juízes ao redor do Brasil vêm se posicionado ora contra, ora a favor da indenização nesses casos. E foram justamente essas palavras que a juíza Laura de Mattos Almeida, da 22ª Vara Cível de São Paulo, empregou ao negar uma indenização a uma filha que foi gerada fora do casamento.

Aos 37 anos, a recepcionista desempregada conta que, filha de pai “riquíssimo”, atravessou uma vida de privações. Enquanto seus irmãos viajavam à Europa, ela começou a trabalhar aos 14 anos para engrossar as finanças da casa. Na tentativa de reaver os prejuízos financeiros, psíquicos e morais causados pela ausência do pai, a mulher ajuizou um pedido de danos morais no valor de R$ 6 milhões. Mas não obteve sucesso.

A tese do abandono afetivo traz conseqüências psicológicas negativas na formação de uma criança, lembra a advogada Iamara Garzone, do Mesquita Pereira, Marcelino, Almeida, Esteves Advogados. A indenização, nesses casos, vai no “sentido de punir o causador do dano sofrido, indenizando de forma material a lesão psíquica”.

Na petição inicial, o advogado de defesa da filha, Francisco Angelo Carbone Sobrinho, escreveu que “o pai [aos 94 anos] tem três enfermeiros, dois seguranças, duas empregadas, um motorista e o médico da família cobra diariamente R$ 3 mil para comparecer, consultar e aplicar-lhe injeções e medicamentos. A filha amarga suas moléstias no SUS”.

Embora a existência de pais que não acompanham o crescimento dos filhos seja coisa antiga, a tese do abandono afetivo é relativamente nova, como conta Garzone: “E tem tomado mais corpo atualmente, por conta da maior facilitação em razão das entidades oficiais e particulares que se dedicam à proteção da criança e do adolescente”.

Os tribunais do país vêm se comportando de forma diversificada. Por sim, por não, um elemento é raramente descartado: a efetiva lesão. Apesar disso, os tribunais – assim como a juíza que resolveu o caso da filha de 37 anos – acreditam que, dada a ausência da prática do ato ilícito, não há como exigir reparação pecuniária.

É o que comenta Gladys Maluf Chamma, especialista em Direito de Família. “Qualquer ato lesivo a outrem é passível de indenização. De qualquer forma nossos tribunais relutam em aceitar esse tipo de indenização com o argumento de que indenização por dano moral pressupõe a prática de ato ilícito”, conta.

Os advogados do senhor de 94 anos, por sua vez, alegaram outro aspecto da lei: se o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Código Civil já prevêem como punição a perda do poder familiar, não haveria porque punir, de mais uma forma, o pai. Segundo o o advogado Cláudio Antonio Mesquita Pereira, a juíza lembrou na decisão que “a perda do poder familiar é a mais grave pena civil a ser imputada a um pai. Por isso, cai por terra a principal justificativa dos defensores da indenização pelo abandono afetivo”.

Ainda na decisão, a juíza escreveu que “não é possível quantificar o amor para efeito de conceder a indenização segundo a gradação de cada ausência”. Em sentença da 1ª Vara Cível de São Gonçalo (RJ), a juíza Simone Ramalho Novaes condenou o pai a indenizar um adolescente de 13 anos por falta de carinho e amor. “Se o pai não tem culpa por não amar o filho, a tem por negligenciá-lo. O pai deve arcar com a responsabilidade de tê-lo abandonado, por não ter cumprido com o seu dever de assistência moral, por não ter convivido com o filho, por não tê-lo educado, enfim, todos esses direitos impostos pela lei”.

No último 3 de março, chegou à Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado o Projeto de Lei 700, 2007, que pretende caracterizar o abandono moral como ilícito civil e penal. “A lei visa prevenir casos intoleráveis de negligência dos pais contra os filhos”, anota o autor do projeto, senador Marcelo Crivella (PRB-RJ). A matéria aguarda julgamento e está sob a relatoria do senador Demóstenes Torres (DEM-GO).

Crivella justifica sua ideia indagando: “Pode o pai ausente – ou a mãe omissa – atender aos desejos de proximidade, de segurança e de agregação familiar reclamados pelos jovens no momento mais delicado de sua formação?”. Ele cita a Declaração dos Direitos da Criança, de 1990. O sexto princípio determina que “para o desenvolvimento completo e harmonioso de sua personalidade, a criança precisa de amor e compreensão. Criar-se-á, sempre que possível, aos cuidados e sob a responsabilidade dos pais e, em qualquer hipótese, num ambiente de afeto e de segurança moral”.

O advogado Luiz Kignel, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família, lembrando a complexidade das relações familiares, diz que “em Direito de Família, dois e dois nunca são quatro. Melhor do que indenizar, seria se pai e filho se relacionassem”.

Fonte: Conjur

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Justiça Militar pode decretar perda de posto e patente por qualquer tipo de crime

A Justiça Militar, onde houver, ou o Tribunal de Justiça são competentes para decidir sobre a perda do posto e da patente ou da graduação da praça militar em casos de oficiais com sentença condenatória, independentemente da natureza do crime cometido.  O entendimento é do Supremo Tribunal Federal. O julgamento do plenário virtual, que tem repercussão geral reconhecida (Tema 1.200) ocorreu de 16 a 23 de junho. O ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, foi acompanhado por todos os demais integrantes da corte.  "Nada obsta ao Tribunal de Justiça Militar Estadual, após o trânsito em julgado da ação penal condenatória e por meio de procedimento específico, que examine a conduta do militar e declare a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças como sanção secundária decorrente da condenação à luz do sistema de valores e do código de ética militares", disse Alexandre em seu voto.  O tribunal fixou a seguinte tese: 1) A perda da graduação da praça pode

STJ vai reanalisar posição sobre salvo-conduto para produzir óleo de maconha

A 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça vai se debruçar sobre a necessidade de alterar a  recente posição  das turmas criminais da corte que tem assegurado a pessoas enfermas a possibilidade de plantar maconha e produzir óleo canabidiol em suas próprias casas. Essa posição foi construída pelo tribunal ao longo do ano passado. Em junho, a  6ª Turma  abriu as portas para a concessão de salvo-conduto em favor de pacientes que, em tese, poderiam ser processados por tráfico de drogas. A 5ª Turma  unificou a jurisprudência  em novembro. Em sessão da 5ª Turma nesta terça-feira (20/6), o ministro Messod Azulay, que não participou da formação desses precedentes porque só tomou posse no cargo em dezembro de 2022, propôs uma revisão da posição para tornar inviável a concessão de salvo-conduto. A proposta foi acompanhada pelo desembargador João Batista Moreira, que também não integrava o colegiado até fevereiro deste ano, quando foi convocado junto ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região para

Goiânia: Anulação de Casamento - Esposa Grávida e Marido Virgem!!

Marido virgem anula casamento com a mulher grávida A juíza Sirlei Martins da Costa, da 2ª Vara de Família e Sucessões de Goiânia, julgou procedente o pedido de anulação de casamento realizado por um rapaz recém-casado. O autor da ação alega que, embora não mantivesse relações sexuais com a então noiva, descobriu, durante a lua-de-mel, que a esposa estava grávida. Citada na ação, a esposa contestou a alegação do marido. Durante a audiência, porém, reconheceu os fatos, dizendo que, durante o namoro, era seguidora de uma igreja evangélica. Disse que, com base em sua crença religiosa, convenceu o noivo de que não podia manter relações com ele antes do casamento. Ainda de acordo com a mulher, ela casou-se grávida, mas só descobriu a gravidez durante a lua-de-mel, e assumiu que o marido não podia ser o pai. Para a juíza, o depoimento pessoal da mulher é prova da existência de um dos requisitos para a anulação do casamento. A juíza determinou a expedição de documentos necessários para que