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Violência Doméstica: Imprescindível a presença do agressor no ato da renúncia...

Agressor deve participar de audiência de renúncia
Por Carlos Eduardo Rios do Amaral

A resposta precisa a respeito da necessidade ou não da presença do agressor na audiência do artigo 16 da Lei 11.340/2006, a Lei Maria da Penha, passa necessariamente por dois questionamentos, quais sejam: debruça-se o moderno arcabouço traçado por este novel Diploma da Mulher fundamentalmente acerca da fúria punitiva estatal criminal? Seria desimportante o atendimento aos elevados anseios da mulher e de seu contexto sócio-familiar?

A todos que militam diariamente e com exclusividade nos Juizados de Violência Doméstica e Familiar, nos quatro cantos deste país de dimensão continental, uma constatação é inequívoca e não sofre qualquer esbulho filosófico-jurídico: nenhuma mulher deseja uma sanção criminal para o parente ou companheiro agressor, desejam, sim e em verdade, a paz, a paz familiar, e, ainda, que os seus amados algozes sejam tratados, submetidos a um acompanhamento psicossocial curativo, levado a efeito pela equipe de atendimento multidisciplinar.

A própria Lei Maria da Penha adverte a juízes de Direito, promotores de Justiça e defensores públicos que estes personagens coadjuvantes do processo não pisam somente em árido e infértil solo repressivo-penal, mas, sim, em solo misto, híbrido, também de natureza apaziguadora cível. Digo protagonistas, com relação aqueles tradicionais sacerdotes dos fóruns e tribunais, por uma única razão, é que nos feitos que tramitam nos Juizados da Mulher, agora, temos apenas um protagonista, aliás, uma protagonista, a mulher vítima de violência doméstica e familiar, a mulher esgotada.

A Lei 11.340/2006 sagrou-se como o primeiro diploma brasileiro a trazer à tona para nosso ordenamento processual penal a questão da vitimologia, fazendo-nos despedir sem nenhuma saudade daquele velho e ultrapassado arquétipo getulista do ainda vigente e vetusto Código de Ritos de 1941.

Que fique claro e induvidoso ao leitor leigo à praxe forense aqui. A lavratura de um boletim de ocorrência numa delegacia de Polícia mais próxima representa para a mulher ofendida um ato de desespero, da insuportabilidade ainda remediável da vida em comum. Não há, naquela ocasião, outro refúgio. Tomado muitas vezes pela cachaça, pelo crack, pela dor da frustração da vida e de tudo, naquele momento, sabe bem a mulher que seu companheiro ou filho representa um colosso invencível, mas que deve ser contido, nem que seja pela força policial, afinal, a convocação de outros parentes mais próximos para auxiliá-la poderá ocasionar desastre ainda maior.

Levado a efeito o flagrante, sabemos bem, nós militantes deste sofrido e triste Juizado Especial da Família, é a mulher que pagará a fiança arbitrada pela autoridade policial, à custa de alguma dezena de faxinas ou horas-extras no expediente de trabalho – há outros tristes bicos – , e, acaso mantido o flagrante sem relaxamento, seja pelo não recolhimento do valor fixado a título de fiança, seja por outro motivo cautelar, a primeira pessoa a bater às portas sempre abertas do defensor público do juizado é, sem nenhuma surpresa, a própria ofendida.

Indagadas pelo defensor público, as respostas destas infelizes e pobres vítimas são uníssonas, no sentido de que, quando livres do álcool ou do crack, seus companheiros são homens trabalhadores e bons pais, queridos na comunidade, mas, quando possuídos pela dependência, tornam-se monstros irreconhecíveis. E suplicam para que seus agressores sejam tratados, desintoxicados. Não desejam essas mulheres esgotadas a prisão do amado doente ou em estado de fúria aparentemente interminável, desejam a cura, o tratamento, a submissão deste a corpo médico ou psicossocial especializado, ou mesmo que apenas entendam que “a fila anda”.

Daí que, a designação da audiência do artigo 16 da Lei Maria da Penha sem a presença do agressor, para ouvir sua história, sua vida, representa verdadeira mutilação deste diploma salvífico da família. Ora, a Lei 11.340/2006 não é legislação de viúvas, ou de mães argentinas da praça de maio.

A mulher ofendida não quer ser indagada se deseja representar em desfavor de seu marido, ex-companheiro ou filho. A mulher ofendida sabe que a profilaxia para o seu sofrimento não passa pelo lançamento do homem ao cárcere. Se a cadeia fosse a única alternativa, o único remédio à disposição dessas vítimas, sem nenhuma dúvida, ninguém ia mais à delegacia, essas mulheres prefeririam sofrer em silêncio, como fazem muitas, que ainda desconhecem o milagre e poder de transformação que pode fazer operar a Lei Maria da Penha, com suas disposições de inegável conteúdo harmonizador da convivência familiar.

Tudo pode e deve ser confessado nessa audiência do artigo 16, se outra for a opção, que seja realizada a reunião de todos na audiência cautelar da medida protetiva de urgência. Mas, que seja realizada. Claro, é prudente que primeiro ouçamos a mulher a sós, para que desabafe sincera e espontaneamente, e, só após, que se franqueie a entrada do agressor, para que também diga de seus sentimentos.

Ciúmes, más companhias, pensão alimentícia, drogas, álcool, adultério, mágoa, homossexualismo, desinteresse, prodigalidade, descuido ou falta de atenção aos filhos, questão dos sogros ou cunhados, o problema dos puxadinhos (vários parentes morando num mesmo lote, porém separados por paredes ou pavimentos), partilha de bens, entre tantas outras causas da violência doméstica e familiar podem e devem ser esclarecidas e descortinadas pelo Juizado de Violência da Mulher. A própria ofendida não se ilude, sabe bem que a imposição de pena criminal nada tem a ver com sua dor.

Ao revés, a despreocupação com a ofendida, e o único desejo de prosseguimento de infrutífera ação penal, só traz um resultado: a reincidência, a reiteração criminosa, e ainda em maior escala e fúria. Porque pena criminal não trata, pena criminal não ensina, nem reeduca. Perdida a oportunidade do estudo social, que poderia ter sido levado a efeito pela equipe de atendimento multidisciplinar, olvidada a audiência com o casal ou ex-casal, silentes juízes, promotores e defensores públicos a respeito de tudo que poderia ser ministrado para equacionamento do entrevero familiar, só resta à ofendida a ajuda divina.

É sabido que a vocação dos Juizados da Mulher é para o desiderato de paz, de busca da felicidade, para o debate familiar. O Direito Penal é o último auxílio. Por dia deve ser realizadas uma dezena ou mais de audiências do artigo 16, com esse sagrado e sublime escopo social, deixando de lado imprestáveis códigos e manuais. Não comportam esses assoberbados Juizados da Mulher, é fato, espaço para uma única instrução por dia ou duas, para se ouvirem testemunhas e condutores, para que sejam ditadas longas alegações finais, prolação de sentenças sobejamente fundamentadas. O desenvolvimento de ações penais, com toda a sua ortodoxia e sinuosidade, alterando-se, assim, os objetivos maiores da Lei Maria da Penha, para o só atendimento da fúria persecutória, representa a bancarrota desta legislação humanística.

Pelo menos dez famílias e mulheres, ou mais se possível, devem ser salvas por dia através das audiências do artigo 16 ou Cautelares das MPUs com a presença de todos os envolvidos na discussão familiar, que devem ser redesignadas quantas vezes se mostrar necessário, inclusive para sujeitar o companheiro ou filho a um período probatório, de ressurgimento das cinzas, como fator de estímulo para a mudança para melhor. Operada essa intervenção estatal, contando com o auxílio da equipe multidisciplinar, nesse espectro social e humanístico, e só assim, a paz poderá retornar à vida da mulher esgotada, a bem da família.


Fonte: Conjur

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