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STJ decide que parte não pode desistir de recurso



A decisão foi noticiada nesta terça (29/5), no site do STJ: “Terceira Turma rejeita desistência e decide julgar recurso mesmo contra a vontade das partes”.
No julgamento da questão de ordem, assim se afirmou:
[...], a exegese do art. 501 do CPC deve ser feita à luz da realidade surgida após a criação do STJ, levando-se em consideração o seu papel, que transcende o de ser simplesmente a última palavra em âmbito infraconstitucional, sobressaindo o dever de fixar teses de direito que servirão de referência para as instâncias ordinárias de todo o país. A partir daí, infere-se que o julgamento dos recursos submetidos ao STJ ultrapassa o interesse individual das partes nele envolvidas, alcançando toda a coletividade para a qual suas decisões irradiam efeitos.
Considero corretos esses fundamentos. Entendo, porém, que não deve ser afastado o direito de desistir do recurso, previsto no artigo 501 do Código de Processo Civil.
Tenho insistido, em outros artigos publicados neste espaço, na ideia de que os tribunais superiores exercem função relevantíssima, que extrapola o interesse das partes. Num deles, chamei a atenção para o fato de que a Emenda Constitucional 45/2004 criou um “vácuo” no sistema jurídico, já que inexiste, hoje, unificação da inteligência da norma constitucional, quando esta não tem repercussão geral (o STF julga apenas questões constitucionais com repercussão geral através de recurso extraordinário; o STJ, através do recurso especial, julga apenas questõesfederais infraconstitucionais). Em outro texto, observei que a criação do requisito da repercussão geral para a questão federal infraconstitucional agravaria o problema, já que, não sendo cabível o recurso especial, a questão federal sem repercussão geral restaria “estadualizada”…
A preocupação, externada pelos ministros da 3ª Turma do STJ, vem ao encontro do que tenho sustentado. De fato, quando determinado tema está em vias de ser examinado pelo STF ou pelo STJ, a sociedade espera que do julgamento se extraiam verdadeiros ensinamentos. Entendo, ao contrário do que pensam alguns, que estamos longe de viver, de fato, em um sistema de precedentes semelhante àqueles observados nos sistemas de common law. A intensa oscilação da jurisprudência, a divergência de entendimentos entre as turmas dos tribunais a respeito de vários assuntos e, talvez como consequência desses dois fatores, a não observância da jurisprudência de tribunais superiores por juízes de primeiro grau e por tribunais locais, são circunstâncias que revelam que a jurisprudência não tem contribuído para a integridade e a coerência de orientação do Direito. A experiência colhida no Direito estrangeiro pode nos ajudar, mas creio quepodemos encontrar, no sistema brasileiro, as bases do caminho que devemos percorrer.
Pode-se, com isso, sustentar que as partes não têm direito de desistir do recurso? Penso que não. Entendo que as partes têm, sim, direito de desistir de qualquer recurso, enquanto não iniciado seu julgamento. Entendimento contrário, a meu ver, contrariaria o disposto no artigo 501 do CPC.
Isso não significa, contudo, que, apresentado o pedido de desistência, cessa, automaticamente, a atividade a ser desenvolvida pelo tribunal. Tudo depende da espécie de recurso e da tarefa a ser desempenhada pelo tribunal.
Em se tratando de recurso especial submetido ao regime do artigo 543-C, tenho sustentado entendimento diverso do adotado pelo STJ (escrevi a respeito na obraCódigo de Processo Civil comentado, publicada pela Editora Revista dos Tribunais). Para este tribunal, não pode a parte desistir do recurso especial selecionado nos termos do artigo 543-C. Entendo, diversamente, que nada impede que aquele que interpôs recurso especial dele desista, nos termos do artigo 501 do CPC. Tal desistência, no entanto, somente deverá ser levada em consideração em relação à segunda “fase” do julgamento do recurso selecionado. Assim, fixada a tese que diz respeito à “questão de direito”, cuja solução poderá ser levada em consideração em relação ao julgamento de diversos outros recursos especiais, poderá o Superior Tribunal de Justiça não conhecer do recurso especial, em razão da desistência. O mesmo ocorre, mutatis mutandis, em relação ao julgamento do recurso extraordinário selecionado, no regime dos artigos 543-A e 543-B do CPC. Ideia parecida foi observada pelo STJ no julgamento de outro recurso especial, em que o tribunal deliberou sobre a tese jurídica, “para efeitos do artigo 543-C, do CPC”, mas, depois, considerou o “recurso especial prejudicado, diante da desistência do autor na ação principal”.
Esse, penso, é o entendimento correto, e que se coaduna tanto com o direito que têm as partes de desistir do recurso, quanto com o dever do STJ de dispor acerca do correto sentido do direito federal infraconstitucional. O projeto de novo CPC, semelhantemente, prevê, em seu artigo 911, parágrafo único, que, “no julgamento de recurso extraordinário cuja repercussão geral já tenha sido reconhecida e no julgamento de recursos repetitivos afetados, a questão ou as questões jurídicas objeto do recurso representativo de controvérsia de que se desistiu serão decididas pelo Superior Tribunal de Justiça ou pelo Supremo Tribunal Federal”.
Entendo que esta mesma orientação aplica-se a outros recursos especiais, ainda que não incida o disposto no artigo 543-C do CPC. Infelizmente, a jurisprudência predominante nos tribunais superiores parece mais se ajustar àquilo que se convencionou chamar de “jurisprudência defensiva” — algo a que todo jurista deve se opor, pois, a meu ver, a doutrina tem a responsabilidade de denunciar a existência de entendimentos jurisprudenciais antidemocráticas, não devendo ser mera “reprodutora de jurisprudência”. Mas, em alguns casos, o STJ tem observado que a função que exerce está acima de burocracias procedimentais, deixando de lado o excessivo rigor formal. Foi assim que o STJ decidiu, por exemplo, que “ostentando a questão federal ventilada no recurso especial relevância jurídica, econômica e social a desafiar o conhecimento do apelo, propicia-se ao STJ que proceda à interpretação final da lei federal e, por conseguinte, se desincumba de sua missão constitucional de assegurar a inteireza do direito federal infraconstitucional”.
Por isso que, mesmo em casos em que não incida o disposto no artigo 543-C, o STJ poderá desempenhar sua missão constitucional, embora resguardando o direito de a parte desistir do recurso especial. Desnecessário impedir que a parte desista do recurso, fazendo letra morta o disposto no artigo 501 do CPC. Basta que o STJ, após firmar a tese jurídica correta — cumprindo, assim, sua tarefa de apontar para o entendimento adequado da norma federal infraconstitucional — considere o recurso especial de que se desistiu prejudicado. Penso que o mesmo deve ser observado pelo STF, mutatis mutandis. Esta orientação, a meu ver, respeita tanto o ofício a ser desempenhado pelos juízes dos tribunais superiores quanto o direito subjetivo da parte de desistir do recurso.

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