Pular para o conteúdo principal

STJ diverge sobre impor limite ao valor de testemunho policial para condenação

Apenas a palavra dos policiais responsáveis pela prisão em flagrante de alguém acusado de um crime é suficiente para fundamentar uma condenação? O tema, de altíssimo impacto no sistema penal brasileiro, gerou divergência na 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça.

Nesta terça-feira (25/10), o colegiado discutiu a necessidade de superar a jurisprudência que dá pleno valor à palavra dos policiais, inclusive nas situações em que essa prova testemunhal é a única capaz de comprovar a ocorrência do crime e sua autoria.

O caso tratou de um homem condenado por tráfico de drogas exclusivamente com base na palavra dos PMs que o prenderam em flagrante. A pena final foi de sete anos, dois meses e 12 dias de reclusão, em regime inicial fechado.

Relator, o ministro Ribeiro Dantas propôs limitar a presunção de validade dessa prova. A palavra do agente público tem fé pública, mas sua validação como prova dependerá da gravação em áudio e vídeo do momento da abordagem para demonstrar qualquer dos elementos do crime.

Essa posição se baseou em pesquisas nacionais e internacionais que apontam razões para contestar a credibilidade do testemunho policial, sempre a partir da ideia de que a intenção dele é obter a condenação e justificar o próprio trabalho.

Em voto-vista, o ministro Joel Ilan Paciornik divergiu. Para ele, não se pode supervalorizar, tampouco desvalorizar, o testemunho do policial. Em vez disso, essa prova deve ter o mesmo valor de qualquer outro testemunho levado aos autos.

Ao juiz, caberá valorar o conteúdo junto com os demais elementos dos autos para aí, sim, determinar a importância da prova. Isso seria feito com base em elementos como coerência interna e externa, credibilidade, verossimilhança, corroboração com conjunto probatório e circunstâncias.

Indefinição jurisprudencial
O julgamento na 5ª Turma terminou sem uma definição clara sobre qual das posições deveria prevalecer. Isso porque ambos os votos tiveram a mesma conclusão no caso concreto: entenderam que o réu por tráfico de drogas deveria ser absolvido.

Eles levaram em consideração a sentença de absolvição do primeiro grau, em que o magistrado entendeu que havia inconsistências nos depoimentos dos PMs responsáveis pela prisão em flagrante, enquanto a narrativa do réu era segura e coerente.

Os ministros Jorge Mussi e Reynaldo Soares da Fonseca não se posicionaram sobre a tese referente ao peso que deve ser conferido aos depoimentos de policiais. Em vez disso, prometeram reflexão sobre o tema.

O desembargador convocado Jesuíno Rissato, por sua vez, acompanhou a posição que evita a viragem jurisprudencial proposta pelo relator. "O depoimento deve ser valorado caso a caso e cotejado com demais elementos de prova do caso concreto. Sabemos que há casos de abuso de policiais. Mas esses abusos devem ser vistos e punidos inclusive quando ocorrem."

AREsp 1.936.393



Por Danilo Vital
Fonte: Conjur

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Lugar do crime: teoria da ubiquidade (CP) ou do resultado (CPP)?

Eudes Quintino de Oliveira Junior Muitas vezes, ao se analisar os dispositivos contidos em nossa legislação (sejam de direto material ou processual), verifica-se que há regras aparentemente distintas e contraditórias, o que fatalmente acarreta uma série de dúvidas aos operadores do Direito, sem falar ainda dos estudantes do bacharelado e dos concursos públicos. Com efeito, dispõe o artigo 6º, do CP, que: considera-se praticado o crime no momento da ação, ou da omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado. Já o artigo 70, do CPP, diz que a competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou , no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução. Pois bem, está caracterizada a aparente antinomia na área penal, em tema de lugar do crime. Os ventos são indicadores de furacão nos mares do sul. O CP diz que deve se considerar, como local onde praticada a infração penal, o lugar onde t...

STJ e o reconhecimento do tráfico privilegiado

Sem constatar adequada motivação para o afastamento do tráfico privilegiado — causa de diminuição de pena voltada àqueles que não se dedicam a atividade ilícita —, o ministro João Otávio de Noronha, do Superior Tribunal de Justiça, concedeu de ofício ordem de Habeas Corpus para reconhecer o direito de um condenado à minorante da sua pena. O magistrado determinou que o juízo de primeiro grau refaça a dosimetria da pena de acordo com tais premissas, bem como analise o regime inicial mais adequado à nova punição e a possibilidade de conversão da pena em restritiva de direitos. O homem foi condenado a sete anos e seis meses de prisão em regime fechado, além de 750 dias-multa, pela prática de tráfico de drogas. A pena-base foi aumentada levando-se em conta a quantidade de droga apreendida (157 quilos de maconha), o que levou à presunção de dedicação a atividades criminosas. O Tribunal de Justiça de São Paulo manteve a decisão, que transitou em julgado. O ministro relator lembr...

STJ: Mera desconfiança da polícia não justifica invasão de domicílio

O ingresso da polícia militar em uma residência, sem mandado judicial e amparado em mera desconfiança dos agentes da polícia, torna imprestável a prova, uma vez que foi obtida em violação ao direito fundamental à inviolabilidade do domicílio. Com esse entendimento, o Superior Tribunal de Justiça concedeu habeas corpus a um réu preso em flagrante com 48g de crack, 485g de maconha e 213g de cocaína. Conforme consta nos autos, o suspeito foi abordado na rua por policiais em ronda e tentou fugir, mas foi pego jogando um pacote com drogas dentro de sua casa. Os agentes entraram na casa e apreenderam os entorpecentes e uma bicicleta roubada. O homem foi preso em flagrante, mas o ministro Antonio Saldanha Palheiro, relator do caso, entendeu que a obtenção de provas foi feita mediante invasão de domicílio. "As circunstâncias que antecederem a violação do domicílio devem evidenciar, de modo satisfatório e objetivo, as fundadas razões que justifiquem tal diligência e a eventual prisão em fl...