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Ricardo Giuliani Neto: Amy e os meninos de Oslo

Quero revê-los todos os dias. Aquelas chegadas no aeroporto, onde nos abraçamos e trocamos carícias despudoradas, quando vertemos saudades e beijos guardados por tanto tempo, quando a ida é motivo suficiente para a boa volta; como é bom a bem querença. Falo do marido esperando a mulher, da esposa querendo seu homem, dos filhos adoçando seus pais e de pais choramingando os amores mais verdadeiros e doídos.

A chegada nos salões de um aeroporto, nos cantões de uma rodoviária, nas paradas de ônibus nos rincões desconsolados deste mundo de ninguém, é sempre motivo para o extravaso dos mais nobres sentimentos do único ser vivo que, por prazer ou ideologia ou religião, mata, se faz matar e se mata.

A morte dos jovens na Noruega e de Amy Winehouse em Londres, choca a humanidade por suas gigantescas dimensões simbólicas.

Os primeiros, habitantes da terra do Nobel da Paz, partiram em vista da intolerância política. Numa ilha do País de primeiríssimo mundo, os meninos foram fuzilados enquanto discutiam política, enquanto se apresentavam, cada um a seu modo, para ajudar o seu e o meu mundo.

Amy, na cinzenta Londres, com as inconfundíveis canções denunciadoras das suas próprias agruras, e das nossas, por que não?, empanturrou-se de álcool e drogas e, na solidão da riqueza e da fama, despediu-se legando-nos as interrogações de quem as afirma e, zombando da nossa estupidez, desapareceu no nevoeiro londrino, e se foi sem o ônus das respostas guardadas somente para si.

Antes de Amy e dos meninos de Oslo, tantos já haviam sido partidos em sonhos e vida. Quebrados pela intolerância, mandados embora por seus iguais - ou diferentes?. E a partida com a certeza da saudade eterna, é somente triste, dilacera pela não chegada, destrói pela ausência presente, mata-nos em vida pela crueza dos não abraços, dos não beijos, aniquila-nos com despudor humano.

Amy tinha 27, como Hendrix, Joplin, Coubain, Morrison e tantos outros de 27. Quantos mais 27 imaginamos para a nossa eternidade? A frase, a postura, a atitude, o verso e o anverso de nós outros nascem para matar; pronto, está aí, vamos sucumbindo em clichês e em irresponsabilidades que jogam para o Outro o cometimento dos nossos próprios erros.

A bomba de Oslo, no primeiro minuto, já estava atribuída aos "muçulmanos terroristas". O fuzilamento dos jovens foi imediatamente atribuído aos mouros. Teses sobre a participação da Noruega nas forças da OTAN no Afeganistão e sobre as charges de Maomé, tão rápido quanto a explosão no edifício do governo, ganharam crédito na mídia pelo singelo fato de que responsabilizarmos o Outro é condição para a nossa própria absolvição.

Matamos e morrem. O assassino é caucasiano de olhos azuis e as terras de horror são nórdicas. Há bárbaros por lá; aliás, onde há homens, há bárbaros.

Quero estar nos aeroportos, nas rodoviárias, nas linhas de qualquer rincão para receber os que lá chegam. Quero abraçá-los com força, com despudor, beijá-los na boca. Venham jovens de Oslo, venham! Os espero ao som de Amy. Bêbada e drogada ela divide um blues com Joplin; Coubain despertou a gurizada pra uma letra pacifista de Morrison; Hendrix acaba de explodir sua guitarra, com as cordas ao avesso sola com a língua e faz melodia com o corpo inteiro. Venham meninos de Oslo, a humanidade os destroçou à bala de fuzil, e não mais podereis partir. Venham!

Não sei seus nomes, não vi seus olhos, não senti suas dores, só quero um pouco de sonhos e um pedacinho de arte para continuar sobrevivendo a espera do próximo que na minha estação chegará para logo partir.

 
Fonte: Última Instância

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