João Ibaixe Jr.
Esta semana duas notícias relevantes para a esfera criminal foram divulgadas. A primeira refere-se aos reflexos da nova lei da prisão preventiva (Lei 12.403/11) e a outra ao mutirão carcerário que se iniciou no dia 20 passado. Ambas repercutem no sistema prisional, atuando sobre aspectos distintos.
No que tange às mudanças trazidas pela nova lei do processo penal, em São Paulo – estado que apresenta a mais grave situação quanto aos presos provisórios – o governo divulgou que já houve redução de cerca de 1% da população carcerária, que é da ordem de aproximadamente 180 mil presos.
Já o mutirão é uma parceria entre o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e o Tribunal de Justiça paulista, com a finalidade de revisar a situação de presos condenados que possam progredir do regime fechado para o semiaberto. Obviamente também esta medida reduzirá o universo da população prisional.
O resultado prático, assim, será a diminuição do número de presos no sistema penitenciário. Isto é fato! A questão é: será que a liberação de presos é positiva para a sociedade?
O cidadão que fitar esse quadro de modo imediato e superficialmente poderá sentir certo temor e até mesmo alguma indignação: “com índices de criminalidade tão elevados, como o governo permite a soltura de presos?” Por outro lado, alguns diletantes autodenominados defensores de direitos humanos, que só aparecem em momentos de casos de repercussão, dirão que a lei está se “humanizando”, mas que ainda falta um longo percurso. O que se teria então seria um debate de argumentos entre a mentalidade “punitiva encarceradora” e a visão “humanística libertadora”.
A gravidade do problema exige olhar bem mais cuidadoso porque os elementos que compõem as causas e as consequências da situação deitam raízes mais profundas, as quais não são alcançadas por essa disputa meramente retórica.
Em primeiro lugar, cabe explicar que a nova lei da prisão preventiva circunscreve-se apenas ao universo dos presos provisórios, ou seja, aqueles que ainda estão sendo processados, não havendo sentença definitiva de condenação contra eles. Neste universo pode haver culpados e inocentes, que só o fim do processo revelará.
Já o mutirão trabalhará com presos condenados com o fim específico de verificar a progressão de regime. Ou seja, a finalidade é analisar casos e definir quais condenados já cumpriram sua pena ou parte dela, ficando autorizados, respectivamente, a serem soltos ou colocados em regime penal mais brando. Este último é caracterizado pela passagem do regime fechado (cadeia) para o semiaberto (colônias penais).
A diferenciação é importante, pois são universos de presos distintos – apesar de a realidade carcerária obrigar convívio mútuo pela deficiência de vagas.
No caso da mudança da lei, o preso que sai não está condenado, portanto, ainda goza do que se chama de presunção de inocência, isto é, é inocente até sua condenação, o que implica dizer que não necessariamente é um criminoso. Prender um indivíduo que responde a processo, em tempos atuais de crise prisional, com mistura de presos de periculosidade diversa, com facções criminosas atuando em presídios, não é benéfico para a sociedade, ao contrário do que parece à primeira vista, porque, na grande maioria dos casos, aquele indivíduo irá aprender mais sobre o crime em virtude do convívio com outros presos.
Numa sociedade globalizada este fenômeno é gravíssimo, pois o convívio prisional funciona como uma rede de comunicação negativa para o ambiente social. Além disto, há o custo do preso, que é pago pelo cidadão. Assim, como a prisão preventiva (processual) serve para garantia do bom andamento do processo, o uso de outros meios, apesar de todas as eventuais deficiências, é mais benéfico socialmente falando, funcionando ainda como recurso mais efetivo de controle da criminalidade pela quebra de possíveis relações comunicacionais de ordem criminosa. Enfim, é um modo de se evitar a retroalimentação do sistema.
Quanto ao preso condenado que vier a ser beneficiado pelo mutirão, em termos de reflexos sociais, dois momentos devem ser observados: curto prazo e longo prazo.
Como o sistema prisional está em crise pelo excesso populacional, sendo elevado o índice de reincidência e não havendo a mínima possibilidade de ressocialização diante do quadro atual (lembre-se de que o problema vem existindo a cerca de 20 anos), a curto prazo possivelmente as estatísticas criminais tenderão a se elevar, porque o preso já está “contaminado” pelo modelo presente, o qual tende a formar criminosos (as prisões são escolas do crime, como todo cidadão sabe).
Todavia, a longo prazo, se o sistema mantiver certo fluxo, ocorrendo a progressão de regimes conforme os ditames legais, a tendência será a de redução da criminalidade, porque se romperá, ou, pelo menos, se dificultará o estabelecimento de redes comunicacionais.
Obviamente, não são somente estas iniciativas que combaterão o crime, há que haver também uma mudança na cosmovisão dos operadores do direito quanto aos fundamentos e aplicação da sanção penal. A mentalidade de ordem punitiva, ancorada em modelos antiquados, já não mais efetivos para a sociedade pós-moderna, precisa também ser modificada. Que tais medidas sejam o primeiro passo.
Fonte: Última Instância
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