Pular para o conteúdo principal

Revendo Conceitos... Morte de juíza é exemplo de violência cotidiana no país

Por Erick Wilson Pereira*

O assassinato da juíza Patrícia Acioli, previamente anunciado mediante reiteradas ameaças, parece ter aberto o flanco da adoção de medidas efetivas para coibir a insegurança da magistratura. Após as costumeiras ondas de indignação e de especulações vitimológicas encenadas por ocasião de atos violentos que ousam ultrapassar as fronteiras do Estado Juiz, este iniciou os trâmites para a consecução de resultados concretos. Portaria assinada pelo ministro Cezar Peluso instituiu uma Comissão Extraordinária para estudar e propor uma política nacional de segurança institucional da magistratura.

Paralelamente, sob o comando do consciencioso secretário-geral do CNJ, o juiz Fernando Florido Marcondes, foi designada uma Comissão de Juízes com acesso ao inquérito e poder de gestão perante o TJ-RJ para acompanhar as investigações do assassinato. Segundo dados do próprio CNJ, cerca de cem juízes estão em situação de risco.

Patrícia Acioli, lotada na 4ª Vara Criminal de São Gonçalo (RJ), notabilizou-se pela atuação rigorosa contra milícias, grupos de extermínio e policiais acusados de forjar autos de resistência. Acreditava na Justiça e, paradoxalmente, no destino – “ninguém morre antes da hora”. Sua morte covardemente perpetrada contesta o seu pensar e suscita debate nacional acerca da obrigatoriedade da proteção dos juízes que lidam com o crime organizado e da criação de órgãos colegiados para substituir o juiz singular. Pois o Estado legal não pode ficar à mercê da índole da parcela corrompida e violenta que diuturnamente mina a cidadania.

Julgar é capacidade complexa que exige saber e amadurecer, que envolve a diferenciação entre ator e espectador, o cultivo da noção de liberação dos estados subjetivos e idiossincrasias que determinam crenças e pontos de vista pessoais para se alcançar a verdade e a distinção entre o legal e o proibido, entre o certo e o errado. Daí muito apropriadamente se dizer que o assassinato de um juiz é grave atentado contra a independência do Judiciário e a soberania do Estado de direito.

Quem dera a morte da intrépida juíza também servisse para revigorar o debate sobre a violência surda que solapa o cotidiano de cidadãos comuns, pobres ou excluídos que nem com a própria morte, antes da hora, reúnem meios para provocar indignação. Eles não podem e não devem ser esquecidos.

Como advertiu Hannah Arendt no seu ensaio “Da violência”, “é o apoio do povo que empresta poder às instituições de um país, e este apoio não é mais que a continuação do consentimento que, de início, deu origem às leis”. E mais: “Num confronto de violência com violência a superioridade do governo sempre foi absoluta; mas esta superioridade só dura enquanto a estrutura de poder do governo estiver intacta – isto é, enquanto as ordens forem obedecidas e o exército e a polícia estiverem prontos a usar suas armas”.

* - Erick Wilson Pereira é advogado, professor, mestre e doutor em Direito Constitucional pela PUC-SP


Fonte: Conjur

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Justiça Militar pode decretar perda de posto e patente por qualquer tipo de crime

A Justiça Militar, onde houver, ou o Tribunal de Justiça são competentes para decidir sobre a perda do posto e da patente ou da graduação da praça militar em casos de oficiais com sentença condenatória, independentemente da natureza do crime cometido.  O entendimento é do Supremo Tribunal Federal. O julgamento do plenário virtual, que tem repercussão geral reconhecida (Tema 1.200) ocorreu de 16 a 23 de junho. O ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, foi acompanhado por todos os demais integrantes da corte.  "Nada obsta ao Tribunal de Justiça Militar Estadual, após o trânsito em julgado da ação penal condenatória e por meio de procedimento específico, que examine a conduta do militar e declare a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças como sanção secundária decorrente da condenação à luz do sistema de valores e do código de ética militares", disse Alexandre em seu voto.  O tribunal fixou a seguinte tese: 1) A perda da graduação da praça pode

STJ vai reanalisar posição sobre salvo-conduto para produzir óleo de maconha

A 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça vai se debruçar sobre a necessidade de alterar a  recente posição  das turmas criminais da corte que tem assegurado a pessoas enfermas a possibilidade de plantar maconha e produzir óleo canabidiol em suas próprias casas. Essa posição foi construída pelo tribunal ao longo do ano passado. Em junho, a  6ª Turma  abriu as portas para a concessão de salvo-conduto em favor de pacientes que, em tese, poderiam ser processados por tráfico de drogas. A 5ª Turma  unificou a jurisprudência  em novembro. Em sessão da 5ª Turma nesta terça-feira (20/6), o ministro Messod Azulay, que não participou da formação desses precedentes porque só tomou posse no cargo em dezembro de 2022, propôs uma revisão da posição para tornar inviável a concessão de salvo-conduto. A proposta foi acompanhada pelo desembargador João Batista Moreira, que também não integrava o colegiado até fevereiro deste ano, quando foi convocado junto ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região para

Goiânia: Anulação de Casamento - Esposa Grávida e Marido Virgem!!

Marido virgem anula casamento com a mulher grávida A juíza Sirlei Martins da Costa, da 2ª Vara de Família e Sucessões de Goiânia, julgou procedente o pedido de anulação de casamento realizado por um rapaz recém-casado. O autor da ação alega que, embora não mantivesse relações sexuais com a então noiva, descobriu, durante a lua-de-mel, que a esposa estava grávida. Citada na ação, a esposa contestou a alegação do marido. Durante a audiência, porém, reconheceu os fatos, dizendo que, durante o namoro, era seguidora de uma igreja evangélica. Disse que, com base em sua crença religiosa, convenceu o noivo de que não podia manter relações com ele antes do casamento. Ainda de acordo com a mulher, ela casou-se grávida, mas só descobriu a gravidez durante a lua-de-mel, e assumiu que o marido não podia ser o pai. Para a juíza, o depoimento pessoal da mulher é prova da existência de um dos requisitos para a anulação do casamento. A juíza determinou a expedição de documentos necessários para que