O fato de a coisa furtada ter valor superior a 10% do salário mínimo não afasta, por si só, a aplicação do princípio da insignificância ou da bagatela, se houver outros fatores favoráveis ao réu e justificadores do afastamento da tipicidade material da conduta.
Por dois votos a um, a 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) adotou essa fundamentação ao negar provimento a recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público em razão de decisão que rejeitou denúncia contra uma mulher por furto simples. Com 45 anos de idade, ela é acusada de subtrair duas caixas de antipulgas para cães e gatos.
"Não obstante tal valor seja de fato superior a 10% do salário mínimo vigente ao tempo do fato, percebe-se que houve restituição da res, não se concretizando qualquer lesão a bem jurídico da vítima. Ademais, a imputada é primária e não tem qualquer registro em sua certidão de antecedentes criminais", ponderou o desembargador Guilherme de Azeredo Passos, relator do recurso.
O delito ocorreu em uma drogaria de Belo Horizonte, em outubro de 2020. A mulher teria saído da farmácia sem pagar os produtos e com eles escondidos em sua bolsa. Representantes do comércio avaliaram as mercadorias em R$ 151. Naquela época, o valor do salário mínimo era de R$ 1.045.
Em 18 de maio de 2021, no julgamento do agravo regimental do Habeas Corpus 613.197/PR, sob a relatoria do ministro João Otávio de Noronha, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu ser "inaplicável o princípio da insignificância quando o valor dos bens furtados não é considerado ínfimo por superar o parâmetro de 10% do salário mínimo vigente à época dos fatos, critério utilizado pelo STJ para aferir a relevância da lesão patrimonial".
No entanto, o relator Azeredo Passos acrescentou que o princípio da insignificância deve ser analisado em cotejo com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal, no sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, sob a perspectiva de seu caráter material.
"A causa supralegal de exclusão de tipicidade requer a conjugação dos requisitos da mínima ofensividade da conduta do agente; ausência de periculosidade social da ação; reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão ao bem juridicamente tutelado", concluiu Passos.
Entendimento contrário, sustentou Valladares, seria a "institucionalização" do furto e a geração de um cenário de impunidade e insegurança social. "Soluções apriorísticas devem ser evitadas, sob pena de cometimento de exageros e injustiças", argumentou.
Causa especial de redução de pena, o furto privilegiado prevê possibilidade de substituição da sanção de reclusão pela de detenção, sua diminuição de um a dois terços, ou somente a aplicação de multa, se o criminoso for primário e a coisa furtada tiver pequeno valor.
O desembargador Eduardo Brum também proferiu o seu voto. Ele seguiu o relator no sentido de negar provimento ao recurso do MP e aplicar o princípio da insignificância, com base no artigo 395, inciso III, do Código de Processo Penal ("a denúncia ou queixa será rejeitada quando faltar justa causa para o exercício da ação penal").
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