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TJ-SP contraria precedente do STJ ao manter condenação por tráfico de drogas

A revista pessoal independe de mandado judicial e pode ser feita a qualquer momento, mesmo que não se trate de situação de flagrante delito. Assim entendeu a 13ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo ao confirmar, por maioria de votos, a condenação de um homem a cinco anos e dez meses de prisão, em regime inicial fechado, por tráfico de drogas. A decisão contraria precedente do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema.

Ao recorrer da sentença de primeiro grau, a defesa sustentou a nulidade da revista pessoal. De acordo com os autos, policiais militares em patrulhamento avistaram o acusado em um local conhecido por ser ponto de tráfico. Na ocasião, ele teria demonstrado nervosismo, o que motivou a abordagem. Com o réu, foram encontradas 29 pedras de crack, um papelote com cocaína e R$ 472.

Para o relator do acórdão, desembargador Xisto Rangel, não houve ilegalidade na ação da Polícia Militar. "Os policiais reportaram, do modo simples e direto que lhes é típico, que a atitude que então perceberam do acusado foi suspeita, indicativa de que ele tivesse algo consigo, no caso drogas, já que se tratava de ponto de tráfico".

Segundo o relator, impedir que a PM aborde pessoas em atitudes suspeitas seria como "castrar a efetividade do enfrentamento à criminalidade". Ele também ressaltou que a busca pessoal não tem a mesma estatura da busca domiciliar, esta, sim, condicionada pela Constituição Federal à prévia expedição de mandado judicial.

"Para a busca pessoal, que pode ser realizada de dia ou de noite, independentemente de prévia expedição de mandado, nem é preciso que esteja, o alvo, em situação de flagrante", afirmou o magistrado, destacando que, no caso dos autos, a palavra dos policiais é suficiente para justificar e validar a abordagem ao réu. 

Além disso, conforme o desembargador, não há "atestado maior" de que a suspeita era fundada do que a apreensão de drogas com o acusado e a consequente prisão em flagrante. Assim, Rangel validou a prova colhida durante a ação da PM e manteve a condenação do réu. Ele foi acompanhado pelo terceiro juiz, desembargador Augusto de Siqueira.

Divergência do STJ
O relator sorteado, desembargador Marcelo Semer, ficou vencido. Ele votou para anular a revista pessoal e as provas colhidas no ato, resultando na absolvição do acusado. Para o magistrado, não ficou demonstrada a "fundada suspeita" a ensejar a revista pessoal. 

"A busca pessoal deve ser motivada pelas circunstâncias concretas do caso, ou seja, necessário que haja forte justificativa a subsidiá-la, não se prestando a tanto o simples argumento de que o acusado demonstrava 'nervosismo, ao perceber a presença da viatura', como descrito na denúncia, ou por ter ele se levantado e caminhado, como relataram os policiais em juízo".

Segundo ele, é imprescindível que a fundada suspeita esteja vinculada ao fato de o indivíduo estar na posse de algo ilícito: "Deve haver justa causa específica a indicar a necessidade da busca pessoal, e não o inverso, como no caso em apreço, abordagem e busca pessoal visando a especular indiscriminadamente, sem qualquer objetivo pré-definido".

O magistrado afirmou ainda que, diante de "práticas abusivas e arbitrárias por parte de forças policiais", especialmente em comunidades socialmente vulneráveis e de baixa renda, considerar plausíveis as revistas pessoais com base na mera intuição policial sobre a eventual prática de crimes "significaria endossar a ilegalidade de revistas exploratórias, invasivas e constrangedoras, sem objetivo probante ou mesmo justa causa factível".

Semer citou precedente do Superior Tribunal de Justiça no mesmo sentido. No julgamento do RHC 158.580, sob relatoria do ministro Rogerio Schietti Cruz, a 6ª Turma entendeu que, se não há fundada suspeita de que a pessoa está na posse de arma proibida, droga ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, não há como admitir que a mera descoberta casual de situação de flagrância, posterior à revista do indivíduo, justifique a medida.

"In casu, inexistiam elementos a revelar a fundada suspeita de que o acusado tinha em sua posse drogas a justificar a abordagem e busca pessoal, seria de rigor reconhecer a ilicitude deste ato, em razão da transgressão estatal ao regime constitucional dos direitos e garantias individuais e por estar em desacordo com a lei vigente (artigo 244, CPP), bem como de todas as provas colhidas na operação, em decorrência da 'teoria dos frutos da árvore envenenada'", disse Semer.

Vitimização do infrator?
O relator do acórdão, Xisto Rangel, não concordou com a aplicação do precedente do STJ citado por Semer. Rangel falou em mais uma forma de culpar a sociedade pelas agressões cometidas contra ela própria ou "mais um meio de justificar o crime e o criminoso com base em um ethos de secular relativismo ou até mediante exercício de preconceito moral invertido".

"Um crime, segundo essa corrente (teoria criminológica do labelling approach), não devendo mais ser encarado ou denominado como crime. Um delinquente também não podendo mais ser chamado de delinquente. Devendo ser abolida a tradicional terminologia que, dada a carga pejorativa, seria tida como aderente e estigmatizadora do indivíduo, este absolutamente intangível em sua dignidade bandida", afirmou Rangel.

O magistrado falou em "arautos da vitimização do infrator", que enxergariam juízes, promotores e policiais como "facínoras" que tendem a ser mais rigorosos na classificação de delitos "quanto mais preto, pobre e marginalizado for o sujeito submetido ao seu poder".

"Mesmo que no universo de indivíduos detidos como traficantes haja mais negros, mulatos e pobres (em desproporção com sua representação no cômputo geral da população), somente isso não é suficiente para associar coisa com outra, ou seja, para afirmar que a polícia tanto mais endurece sua atuação repressora quanto mais escura seja a cor da pele e minguada a conta bancária do sujeito alvo de sua atuação".

Segundo Rangel, esse "discurso binomial" se baseia em um "viés panfletário a serviço de insidiosa ideologia". Para ele, é um discurso que ignora a complexidade e variedade de fatores da criminalidade e dissemina a imagem de que a atuação repressora do Estado "não é mais do que expressão de mero preconceito burguês a serviço da exploração do mais fraco pelo mais forte (a eterna luta de classes)".

"O que atraído para o nosso tema poderia ser assim traduzido: se o sujeito foi preso e é negro, ele deve ser vítima d  e injustiça. Como sou branco e estou preso, minha prisão deve ser justa. Ou ainda: se há na população em geral 55% de pretos e pardos, qualquer percentagem maior de tal categoria observada na população carcerária seria produto de racismo", acrescentou.

Na visão de Rangel, uma coisa é incentivar a polícia a adotar protocolos e critérios mais objetivos, que permitam ao juiz se basear em provas para além da palavra dos agentes: "Outra, bem diferente, é deslegitimar toda e qualquer interferência policial por prévia suspeição quanto à lisura de seu proceder".

Clique AQUI para ler o acórdão
1500559-92.2021.8.26.0535



Por Tábata Viapiana
Fonte: Conjur

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