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STJ julga se pedido de cargo fantasma por desembargador é crime de corrupção

O desembargador de um Tribunal de Justiça estadual que usa a posição que ocupa para procurar autoridades e pedir cargos fantasmas para seus parentes, em teoria, pode ter cometido o crime de corrupção passiva previsto no artigo 317 do Código Penal?

Essa é a discussão em pauta na Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, que analise se recebe a denúncia contra o desembargador do TJ de Minas Gerais, Alexandre Victor de Carvalho. O julgamento foi iniciado nesta quarta-feira (1º/2) e interrompido por pedido de vista do ministro Og Fernandes.

A acusação feita pelo Ministério Público Federal aponta que o magistrado usou do prestígio e do cargo que possui para negociar nos bastidores cargos fantasmas em favor de sua mulher e filho, na Assembleia Legislativa de Minas Gerais e na Câmara Municipal de Minas Gerais.

Essa negociação foi percebida em conversa do desembargador por telefone com o advogado Vinicio Kalid, que tinha a linha grampeada pela Polícia Federal. A investigação, naquele ponto, era de relações espúrias entre a advocacia mineira e magistrados estaduais.

Segundo o MPF, Alexandre Victor de Carvalho obteve os cargos fantasmas em troca do apoio à advogada Alice Birchal, que concorreu à lista tríplice elaborada para ocupar vaga no TJ-MG pelo Quinto Constitucional. Ele foi incluída na lista final, nomeada pelo governador e tomou posse como desembargadora.

A denúncia é baseada nas interceptações telefônicas, em que o desembargador discute os cargos, mas não trata do que ele ofereceu em troca — não há menção à votação da lista tríplice no TJ-MG, nem de qualquer outro ato. Por essas conversas, ele é alvo de processo administrativo disciplinar no Conselho Nacional de Justiça.

A defesa, feita pelo advogado Eugênio Aragão, sustentou exatamente a ausência de ligação entre o suposto apoio do acusado para formação da lista tríplice e o pedido dos cargos em favor dos familiares.

Para o relator, ministro Herman Benjamin, o fato de usar sua posição de desembargador para pedir cargo fantasma é suficiente para enquadrar a conduta como corrupção passiva. Abriu a divergência o ministro Luis Felipe Salomão, para quem o crime do artigo 317 do CP exige um ato de ofício praticado em troca da vantagem.

Ajuda ao desembargador
Na visão do ministro Herman Benjamin, a denúncia deve ser recebida porque a conduta se enquadra no texto do artigo 317 do CP: solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem.

A exigência do ato de ofício praticado só aparece no parágrafo 1º do artigo 317, que aumenta a pena de um terço se, em consequência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato.

Assim, a denúncia nem precisaria incluir a questão da lista tríplice. O mero fato de o desembargador buscar autoridades para pedir cargos fantasmas caracteriza, em tese, o crime de corrupção.

Entender diferente, em sua opinião, levaria a uma lógica danosa: um guarda de trânsito que pedisse dinheiro para não aplicar uma multa poderia ser punido, mas um parlamentar que vendesse favores, por sua vez, passaria impune. Essa lógica se baseia em precedentes do Supremo Tribunal Federal.

"O pedido [dos cargos] poderia até ser feito, mas se ele não fosse um magistrado, seria atendido?", indagou. "O desembaragador, usando direta ou indiretamente sua posição, pediu vantagem indevida. E convenhamos: pedir cargo fantasma é vantagem indevida", acrescentou.

Ilações e perseguição
Abriu divergência o ministro Luis Felipe Salomão, que votou contra o recebimento da denúncia. Isso porque ela parte da premissa de que houve corrupção porque uma coisa foi trocada pela outra: o voto na advogada na lista tríplice para o TJ-MG em troca dos cargos fantasmas.

No entanto, a negociação pela formação da lista tríplice não aparece nas mensagens interceptadas pela polícia, nem em qualquer outro meio de prova pré-constituída. Em vez disso, há apenas ilações e suposições, insuficientes para caracterizar o crime apontado na denúncia.

"Ninguém da doutrina dispensa o ato praticado. Senão é kafkaniano. Como que alguém vai pedir emprego pro filho ou pro parente e esse fato é criminalizado? O que tipo penal requer é um benefício recebido para a prática do ato ilícito. Qual o ato ele teria que praticar para obter os empregos para os parentes dele? Não há uma linha sobre isso", afirmou.

Na opinião do ministro Salomão, é preciso um extenso exercício hipotético para alcançar as conclusões do MPF quanto à ocorrência de crime. "Não estamos diante de um fato notório, mas de pura ilação. Pura perseguição", criticou.

APn 957



Por Danilo Vital
Fonte: Conjur

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