O tempo usado para limpar a casa, preparar alimentos e cuidar de crianças, idosos e familiares doentes pode ser computado como período de trabalho para fins de remição de pena por pessoas que estão no regime semiaberto ou em prisão domiciliar, com o uso de tornozeleira eletrônica.
A conclusão é de um estudo da Defensoria Pública do Paraná, de iniciativa da servidora Nilva Maria Rufatto Sell e feito por Giovanni Diniz Machado da Silva, que abre a possibilidade de o órgão solicitar, nos processos de execução de pena em que atua, o benefício em favor das pessoas que cumprem pena e exercem o trabalho doméstico.
A medida ajudaria especialmente as mulheres que cumprem pena no semiaberto ou em domiciliar. Além de recair sobre as mesmas a responsabilidade pelo trabalho doméstico, não raro encontram dificuldades de ingressar no mercado de trabalho — justamente o que permitiria a remição de pena — por discriminação ou mesmo devido ás responsabilidades do lar.
A tese é inédita. Não há registros de qualquer decisão brasileira autorizando a remição por trabalho doméstico. O benefício é previsto nos artigos 126 a 128 da Lei de Execução Penal, aplicável, em regra, por tempo de trabalho ou de estudo. A jurisprudência das cortes superiores tem sido bastante benevolente em estendê-lo a outras situações.
Hoje, há remição de pena pela leitura de livros e elaboração de resumos, pela aprovação do apenado no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), por participar de coral, por trabalho de “representante de galeria” prisional e até quando o trabalho ou o estudo não foram possíveis devido às limitações decorrentes da epidemia da Covid-19.
Segundo a Defensoria do Paraná, o mesmo entendimento poderia ser aplicado em favor do trabalho doméstico, observadas algumas circunstâncias.
A segunda linha interpretativa é enquadrar o trabalho doméstico como como atividade de reintegração social ou “atividade de socialização” apta à remição. Esse tipo de “prática social não-escolar” é reconhecida pela Resolução 391/2021 do Conselho Nacional de Justiça como apta a causar remição de pena.
Em ambos os casos, haveria o uso da analogia in bonam partem (analogia usada para favorecer o réu, nos casos em que há lacuna na lei), já amplamente aceita pelas cortes superiores brasileiros em casos de execução da pena.
O estudo ainda ressalta a possibilidade de remição de pena por atividade feito fora dos estabelecimentos prisionais. Essa previsão está expressa na Súmula 526 do STJ. O mesmo deve valer para o regime domiciliar de pena, já que ele não se confunde com o regime aberto.
A exceção são os casos em que a domiciliar foi concedida exatamente para que a mulher cuide dos filhos, na forma como foi definida pelo Habeas Corpus coletivo concedido pelo Supremo Tribunal Federal em 2018. “Quando o cuidado materno é o fator obrigatório utilizado em decisão judicial para permitir a domiciliar, parece inviável que a pena seja remida pelo mesmo motivo”, diz o documento.
O estudo da Defensoria paranaense propõe quatro soluções. A primeira é de presunção do número de horas. Essa é a saída adotada nos casos de remição de pena por aprovação no Enem, em que o Judiciário presume um tempo que considera adequado para levar ao resultado obtido na prova.
Outras duas hipóteses é que o trabalho doméstico seja comprovado por relatório feito pelo próprio apenado ou por familiares e outras pessoas. No caso de cuidados dos filhos, por exemplo, essa atividade poderia ser comprovada por professores da escola deles que atestem que as crianças chegam higienizadas, alimentadas e com uniformes limpos.
Por fim, uma última possibilidade seria comprovar o trabalho doméstico mediante a visita de oficiais de justiça ou assistentes sociais, o que vai gerar impactos orçamentários. O estudo indica que seria melhor implementada se estabelecida por meio de lei.
“Em vasto exame jurisprudencial sobre o direito penitenciário à remição, encontrou-se no âmbito decisório do STJ diversos casos que — em leitura global — apontam à possibilidade de remição por trabalho doméstico”, afirma o estudo. O documento afirma que o uso dessa tese demanda uma leitura conjunta das premissas identificadas em vários casos da jurisprudência.
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