Em 11 de abril de 1789, o então comandante do regimento de cavalaria auxiliar Joaquim Silvério dos Reis (1756-1819) encaminhou uma carta ao Visconde de Barbacena, delatando Tomás Antonio Gonzaga e um grupo de sediciosos em Minas Gerais. O grupo, segundo Silvério, pretendia derrubar as autoridades então constituídas, proclamando uma forma de república. Silvério iniciava essa odiosa carta justificando a atitude, pela forçosa obrigação de tinha de ser fiel vassalo à "nossa Augusta Soberana", isto é, à Dona Maria I, mais tarde lembrada como "a Louca".
Disse que fora convidado a participar de uma sublevação, que prontamente levava ao conhecimento do representante da rainha. Tratava-se de uma conjuração, e todo o plano lhe fora explicado por um sargento insurrecto, que acreditava que Silvério estaria propenso a trair Portugal. Silvério indicou o desembargador Tomás Antonio Gonzaga como "primeiro cabeça da conjuração".
Tomás Antônio Gonzaga nasceu no Porto, em 1744, e morreu em Moçambique, em 1810. Seu pai era brasileiro, e sua mãe, portuguesa. Acompanhou o pai (magistrado), que enviuvara em Pernambuco e, depois, na Bahia. Gonzaga estudou Direito em Coimbra, bacharelando-se em 1768. Foi juiz em Portugal e ouvidor em Vila Rica de Ouro Preto.
Ao que consta, teria escrito as "Cartas Chilenas, Marilia de Dirceu" e um "Tratado de Direito Natural"; este último foi encontrado em fins do século XIX, por Teófilo Braga, historiador português. Gonzaga participou da Inconfidência Mineira, e por isso foi degredado para a África. Essas informações, básicas para todo brasileiro medianamente educado, constam de uma ideologia que se compartilha desde a Proclamação da República e do consequente culto ao movimento mineiro, exatamente no contexto da busca de heróis e da formação de um panteão.
Gonzaga conviveu com a crise do antigo regime, especificamente a transição da era pombalina para a chamada viradeira, como se conheceu o regime absolutista instaurado com a ascensão de D. Maria I ao trono português. Gonzaga pretendia lecionar em Coimbra, e certamente por isso seu livro sobre Direito Natural foi dedicado ao Marquês de Pombal. Porém, em sua fase brasileira, no contexto da Inconfidência, Gonzaga fez oposição à rainha de Portugal e às instituições portuguesas. Essa contradição marca sua trajetória, e a oposição à rainha foi o núcleo de sua queda.
Segundo Silvério, havia outros envolvidos. Identificou os principais (Inácio Alvarenga, José Xavier, conhecido como Tiradentes, o Coronel Francisco de Paula) e outros mais, que denominava de "pés-rapados". Essa expressão provinha da Guerra dos Mascates, no Pernambuco, em 1710, e identifica os rebeldes mais simples, que andavam descalços.
Silvério descreveu o que os inconfidentes almejavam dele, especialmente quanto à munição que poderia desviar. Certamente assustou ao Visconde de Barbacena, afirmando que os inconfidentes pretendiam cortar a cabeça do representante da rainha. A cabeça do Visconde seria sacudida pelos cabelos e exibida por toda Vila Rica. Teriam prometido fazer o mesmo no Rio de Janeiro.
Redigida com salamaleques e mesuras, subscrita por um "humilde súdito" que "beijava os pés" do destinatário, a carta ainda prometia mais informações. O Visconde de Barbacena suspendeu a "derrama", uma cobrança de tributos atrasados que marcaria o início da sedição, que prontamente foi esmagada. O delator teria obtido promessa do perdão de suas dívidas fiscais, de um cargo público e de uma pensão vitalícia. Não há registros exatos e confiáveis do desate da delação, em relação ao delator. Não se sabe também as motivações psicológicas para a delação.
Silvério faz parte de um imaginário popular de traição e de traidores que se beneficiaram com delações contundentes. De algum modo, é pai fundador de controvertida prática do direito processual contemporâneo, que processos inquinados por lawfare tem tornado pródigas e preocupantes: as delações premiadas.
Por Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy
Fonte: Conjur
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