Pular para o conteúdo principal

STJ: Tribunal é livre para afastar dolo eventual e despronunciar réu

Mesmo na hipótese em que o juiz de primeiro grau entender presentes elementos indicativos de dolo eventual em um caso de homicídio, o Tribunal de Justiça é livre para, ao receber o recurso, reapreciar as provas, afastar sua existência e despronunciar o réu.

Com esse entendimento e por maioria de votos, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu não conhecer de um recurso interposto contra acórdão que impediu um homem de ser julgado pelo Tribunal do Júri sob acusação de matar a namorada por overdose.

O caso trata de um casal em relacionamento estável que tinha por costume se drogar com injeções de morfina. Em uma das oportunidades em que ambos usaram a substância, a mulher morreu de overdose devido à quantidade injetada nela pelo namorado.

Para o Ministério Público do Ceará, o caso é de dolo eventual. Apesar de o réu não desejar a morte da namorada, ele previu e aceitou a possibilidade disso acontecer. Reforçou essa argumentação o fato de ele declarar em juízo que não existe nível seguro de consumo de droga.

O juízo de primeiro grau decidiu pronunciar o réu, deixando para o Conselho de Sentença decidir sobre a hipótese de culpa consciente, alegada pela defesa. Nela, o agente prevê a possibilidade do evento danoso, mas acredita sinceramente que isso não irá acontecer. Por esse viés, o homicídio é culposo, a ser julgado por um juiz togado.

O Tribunal de Justiça do Ceará, por sua vez, reanalisou as provas e concluiu pela ausência completa de dolo. Segundo o acórdão, o réu não assumiu, porque não cogitou, o risco de matar a namorada ao injetar nela a droga, inclusive porque consumiam morfina juntos frequentemente.

Deixa para o juiz
A corte cita a dificuldade técnica de estabelecer, com segurança, a diferenciação entre dolo eventual e culpa consciente, a qual é extremamente sutil e confunde até os mais experientes operadores do Direito. A proposta é que essa diferenciação seja feita pela prudente avaliação do julgador.

"Se o conceito jurídico-penal acerca do que é dolo eventual já produz enormes dificuldades ao julgador togado, que emite juízos técnicos, apoiados em séculos de estudos das ciências penais, o que se pode esperar de um julgamento realizado por pessoas que não possuem esse saber e que julgam a partir de suas íntimas convicções, sem explicitação dos fundamentos e razões que definem seus julgamentos?", indagou o TJ-CE.

O assistente da acusação recorreu ao STJ contra a decisão de despronúncia. Relator, o ministro Joel Ilan Paciornik deu provimento para restabelecer a pronúncia do réu, por entender que o TJ-CE extrapolou os limites do que poderia decidir no recurso.

Para isso, citou jurisprudência do STJ que indica que a discussão sobre dolo eventual ou culpa consciente é tarefa do júri popular, juiz natural da causa, a partir da narrativa dos fatos e com auxílio das provas produzidas.

"Comprovada a materialidade do delito e elencados indícios, à corte estadual é vedado analisar o elemento subjetivo do crime no intuito de despronunciar o réu, em franca usurpação da competência do Conselho de Sentença", disse, nesta terça-feira, o ministro Joel Ilan Paciornik.

Abriu a divergência vencedora o ministro João Otávio de Noronha, para quem o tribunal de segundo grau tem toda a liberdade para analisar e reclassificar a existência do dolo eventual ou da culpa consciente.

"O juiz de primeiro grau interpreta os fatos para verificar se há dolo ou não. Se houver, ele manda para o júri. Esse exame pode ser feito pelo tribunal. A ele se devolve todo esse conhecimento. Ele tem liberdade para verificar se há dolo ou não. O juiz de primeiro grau não é soberano nessa análise. A decisão é revisável em sede de recurso", disse.

"Nas vias ordinárias, onde foi esgrimada toda a prova, o tribunal entendeu que se tratava de homicídio culposo. Nós, para darmos uma definição diversa, teríamos que esgrimar e mergulhar nessa prova. Seria mais do que apenas revalorar", concordou o ministro Jorge Mussi.

Com isso, aplicaram a Súmula 7, que veda justamente a reanálise de fatos e provas em sede de recurso especial. "Para que tivéssemos outra conclusão diferente da do acórdão, seria necessário algo mais do que uma mera revaloração das provas", concordou o ministro Ribeiro Dantas, ao formar a maioria vencedora.

AREsp 1.980.372


Por Danilo Vital
Fonte: Conjur

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Justiça Militar pode decretar perda de posto e patente por qualquer tipo de crime

A Justiça Militar, onde houver, ou o Tribunal de Justiça são competentes para decidir sobre a perda do posto e da patente ou da graduação da praça militar em casos de oficiais com sentença condenatória, independentemente da natureza do crime cometido.  O entendimento é do Supremo Tribunal Federal. O julgamento do plenário virtual, que tem repercussão geral reconhecida (Tema 1.200) ocorreu de 16 a 23 de junho. O ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, foi acompanhado por todos os demais integrantes da corte.  "Nada obsta ao Tribunal de Justiça Militar Estadual, após o trânsito em julgado da ação penal condenatória e por meio de procedimento específico, que examine a conduta do militar e declare a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças como sanção secundária decorrente da condenação à luz do sistema de valores e do código de ética militares", disse Alexandre em seu voto.  O tribunal fixou a seguinte tese: 1) A perda da graduação da praça pode

STJ vai reanalisar posição sobre salvo-conduto para produzir óleo de maconha

A 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça vai se debruçar sobre a necessidade de alterar a  recente posição  das turmas criminais da corte que tem assegurado a pessoas enfermas a possibilidade de plantar maconha e produzir óleo canabidiol em suas próprias casas. Essa posição foi construída pelo tribunal ao longo do ano passado. Em junho, a  6ª Turma  abriu as portas para a concessão de salvo-conduto em favor de pacientes que, em tese, poderiam ser processados por tráfico de drogas. A 5ª Turma  unificou a jurisprudência  em novembro. Em sessão da 5ª Turma nesta terça-feira (20/6), o ministro Messod Azulay, que não participou da formação desses precedentes porque só tomou posse no cargo em dezembro de 2022, propôs uma revisão da posição para tornar inviável a concessão de salvo-conduto. A proposta foi acompanhada pelo desembargador João Batista Moreira, que também não integrava o colegiado até fevereiro deste ano, quando foi convocado junto ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região para

Goiânia: Anulação de Casamento - Esposa Grávida e Marido Virgem!!

Marido virgem anula casamento com a mulher grávida A juíza Sirlei Martins da Costa, da 2ª Vara de Família e Sucessões de Goiânia, julgou procedente o pedido de anulação de casamento realizado por um rapaz recém-casado. O autor da ação alega que, embora não mantivesse relações sexuais com a então noiva, descobriu, durante a lua-de-mel, que a esposa estava grávida. Citada na ação, a esposa contestou a alegação do marido. Durante a audiência, porém, reconheceu os fatos, dizendo que, durante o namoro, era seguidora de uma igreja evangélica. Disse que, com base em sua crença religiosa, convenceu o noivo de que não podia manter relações com ele antes do casamento. Ainda de acordo com a mulher, ela casou-se grávida, mas só descobriu a gravidez durante a lua-de-mel, e assumiu que o marido não podia ser o pai. Para a juíza, o depoimento pessoal da mulher é prova da existência de um dos requisitos para a anulação do casamento. A juíza determinou a expedição de documentos necessários para que