Pular para o conteúdo principal

Por falta de provas, Justiça absolve empresas de cartel de aquecedores solares

Por ausência de provas, a 2ª Vara de Crimes Tributários, Organização Criminosa e Lavagem de Bens e Valores de São Paulo absolveu sete representantes de empresas produtoras de aquecedores solares de água, que eram acusados de formação de cartel e fraude à licitação.

Segundo o Ministério Público estadual, os réus teriam formado uma aliança para fixar artificialmente preços ou quantidades dos equipamentos e controlar o mercado paulista.

Em 2009, a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU) abriu uma licitação para aquisição de kits de aquecimento solar de água e sua implantação em unidades habitacionais.

Conforme a denúncia, os representantes das empresas sabiam previamente quais empresas venceriam quais lotes licitados. Com isso, formavam um sistema de rodízios e dividiam os contratos entre si.

De acordo com o MP-SP, as empresas se reuniam e decidiam que determinada empresa deveria vencer um lote pré-estabelecido por meio de oferta de preço abaixo do valor de referência da licitação. Já as demais concorrentes apresentariam preços de cobertura acima do valor ofertado pela vencedora.

Dentre os indícios das práticas, a acusação indicava a coincidência dos menores preços ofertados e a ausência de lances na fase competitiva. Além disso, uma das empresas teria ofertado um preço menor do que o oferecido pelo seu próprio fornecedor, que venceu um lote sem concorrência. Por fim, cada empresa teria vencido apenas um lote, o que evidenciaria o rodízio e o cartel.

A licitação teria sido fraudada porque o material fornecido seria inferior aos critérios de qualidade exigidos no edital. As certificações técnicas eram fornecidas por associações de classe supostamente controladas pelas empresas dos réus.

Absolvição
Quanto à acusação de formação de cartel, a juíza Marcia Mayumi Okoda Oshiro observou que a conduta atribuída aos réus se limitava a apenas um procedimento — a mesma conduta referente à acusação de fraude à licitação.

As provas juntadas pelo MP indicavam somente a suposta fraude cometida no pregão de 2009. Porém, para a magistrada, a prova de fraude a uma licitação específica não equivaleria a uma tentativa de dominar todo o mercado: "Entender de modo diverso levaria à consequência de tipificarmos como crime de cartel, de forma automática, toda e qualquer conduta de fraude à licitação".

Sem provas de que o suposto ajuste entre os réus tenha alcançados outros procedimentos licitatórios ou o mercado particular de aquecedores solares, Marcia decidiu pela absolvição. Segundo ela, a condenação poderia causar bis in idem (repetição da sanção pelo mesmo fato) quanto ao crime de fraude à licitação.

Testemunhas trazidas pelos réus relataram que não havia prova direta de acertos; que as discussões das empresas se limitavam a assuntos técnicos, sem questões comerciais; que em 2009 não havia empresa de porte suficiente para exercer poder de mercado; que não havia variação de preços devido à limitação de fornecedores; e que seria normal a desistência de participantes, devido a exigências sobre patrimônio líquido e logística. Marcia concluiu que a prova testemunhal da acusação "não afastou todas as dúvidas quanto à materialidade e à autoria".

A prova documental também não seria suficiente. O MP indicava coincidência de preços e desistências dos participantes, "contudo se tratam apenas de indícios que justificariam o início das investigações e o recebimento da denúncia, mas não a condenação", apontou a juíza. O órgão sequer apresentou trocas de e-mails, conversas por aplicativos ou interceptações telefônicas para provar os ajustes.

Além disso, dois inquéritos civis e um procedimento da Corregedoria Geral da Administração apuraram os mesmos fatos, mas foram arquivados.

"A decisão reconheceu com razão a inexistência de provas sobre a prática do cartel. Ficou demonstrado que as empresas concorreram de forma legítima, sem combinações ou acertos prévios. Os preços eram compatíveis com o mercado e as propostas razoáveis. A legalidade pautou a conduta das empresas", afirma Tiago Rocha e Pierpaolo Bottini, advogados de um dos réus.

Clique AQUI para ler a decisão
Processo 0057488-40.2012.8.26.0050



Por José Higídio
Fonte: Conjur

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Lugar do crime: teoria da ubiquidade (CP) ou do resultado (CPP)?

Eudes Quintino de Oliveira Junior Muitas vezes, ao se analisar os dispositivos contidos em nossa legislação (sejam de direto material ou processual), verifica-se que há regras aparentemente distintas e contraditórias, o que fatalmente acarreta uma série de dúvidas aos operadores do Direito, sem falar ainda dos estudantes do bacharelado e dos concursos públicos. Com efeito, dispõe o artigo 6º, do CP, que: considera-se praticado o crime no momento da ação, ou da omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado. Já o artigo 70, do CPP, diz que a competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou , no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução. Pois bem, está caracterizada a aparente antinomia na área penal, em tema de lugar do crime. Os ventos são indicadores de furacão nos mares do sul. O CP diz que deve se considerar, como local onde praticada a infração penal, o lugar onde t...

STJ e o reconhecimento do tráfico privilegiado

Sem constatar adequada motivação para o afastamento do tráfico privilegiado — causa de diminuição de pena voltada àqueles que não se dedicam a atividade ilícita —, o ministro João Otávio de Noronha, do Superior Tribunal de Justiça, concedeu de ofício ordem de Habeas Corpus para reconhecer o direito de um condenado à minorante da sua pena. O magistrado determinou que o juízo de primeiro grau refaça a dosimetria da pena de acordo com tais premissas, bem como analise o regime inicial mais adequado à nova punição e a possibilidade de conversão da pena em restritiva de direitos. O homem foi condenado a sete anos e seis meses de prisão em regime fechado, além de 750 dias-multa, pela prática de tráfico de drogas. A pena-base foi aumentada levando-se em conta a quantidade de droga apreendida (157 quilos de maconha), o que levou à presunção de dedicação a atividades criminosas. O Tribunal de Justiça de São Paulo manteve a decisão, que transitou em julgado. O ministro relator lembr...

STJ: Mera desconfiança da polícia não justifica invasão de domicílio

O ingresso da polícia militar em uma residência, sem mandado judicial e amparado em mera desconfiança dos agentes da polícia, torna imprestável a prova, uma vez que foi obtida em violação ao direito fundamental à inviolabilidade do domicílio. Com esse entendimento, o Superior Tribunal de Justiça concedeu habeas corpus a um réu preso em flagrante com 48g de crack, 485g de maconha e 213g de cocaína. Conforme consta nos autos, o suspeito foi abordado na rua por policiais em ronda e tentou fugir, mas foi pego jogando um pacote com drogas dentro de sua casa. Os agentes entraram na casa e apreenderam os entorpecentes e uma bicicleta roubada. O homem foi preso em flagrante, mas o ministro Antonio Saldanha Palheiro, relator do caso, entendeu que a obtenção de provas foi feita mediante invasão de domicílio. "As circunstâncias que antecederem a violação do domicílio devem evidenciar, de modo satisfatório e objetivo, as fundadas razões que justifiquem tal diligência e a eventual prisão em fl...