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CNJ aprova resolução que busca reduzir erros em reconhecimento pessoal

O Plenário do Conselho Nacional de Justiça aprovou na terça-feira (6/12) uma resolução que estabelece diretrizes para o reconhecimento de pessoas em procedimentos e processos criminais e a sua avaliação pelo Poder Judiciário.

A resolução determina que o reconhecimento pessoal deve ser feito preferencialmente com o alinhamento presencial de quatro pessoas. Em caso de impossibilidade, devem ser apresentadas quatro fotografias. Caso seja inviável seguir tais parâmetros, outros meios de prova devem ser priorizados.

Em todos os casos, devem ser observadas as formalidades previstas no artigo 226 do Código de Processo Penal, que exige que a pessoa a ser reconhecida seja descrita pela pessoa responsável pelo reconhecimento, bem como colocada ao lado de outras com quem tiver alguma semelhança.

Conforme a resolução, todo o procedimento deve ser gravado e disponibilizado às partes em caso de solicitação. É necessária investigação prévia para a colheita de indícios de participação da pessoa investigada no delito antes de submetê-la ao reconhecimento. Também é exigida a coleta de autodeclaração racial dos reconhecedores e dos investigados ou processados, para permitir à autoridade policial e ao juiz a adequada valoração da prova.

A autoridade deve zelar pela higidez do procedimento e evitar a apresentação isolada da pessoa, de sua fotografia ou imagem, o emprego de álbuns de suspeitos e de fotografias extraídas de redes sociais ou de qualquer outro meio. Também precisa cuidar para que a pessoa convidada a fazer o reconhecimento não seja induzida ou sugestionada e garantir a ausência de informações prévias, insinuações ou reforço das respostas apresentadas.

Grupo de trabalho
A minuta da resolução aprovada foi elaborada pelo Grupo de Trabalho (GT) sobre Reconhecimento de Pessoas, instaurado pelo CNJ no ano passado e coordenado pelo Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF).

O GT é formado por magistrados, promotores de Justiça, defensores públicos, delegados de polícia, acadêmicos e representantes do terceiro setor. O grupo foi dividido em cinco comitês, que elaboraram outros trabalhos voltados ao tema.

O Comitê Técnico 1 desenvolveu um diagnóstico dos elementos que estimulam a prisão de inocentes com base em erros de reconhecimento, com atenção especial ao uso de inteligência artificial e ao racismo estrutural. Com base nisso, foram apresentadas recomendações técnicas ao próprio GT e ao CNJ.

O Comitê Técnico 2 produziu um protocolo para reconhecimento pessoal em sede policial — uma espécie de guia para o controle judicial de possíveis irregularidades, com sugestões e orientações voltadas à atividade policial.

Enquanto o Comitê Técnico 3 ficou responsável pela elaboração da minuta da resolução aprovada, o Comitê Técnico 4 formulou um anteprojeto de lei que propõe uma nova redação ao artigo 226 do CPP (que regulamenta o reconhecimento de pessoas), alinhada a estudos na área de Psicologia do Testemunho.

Por fim, o Comitê Técnico 5 produziu uma coletânea de artigos científicos sobre o tema, uma proposta pedagógica de capacitação continuada de magistrados e uma cartilha informativa direcionada aos cidadãos em geral — com orientações para vítimas, testemunhas e pessoas eventualmente submetidas a reconhecimento.

Trabalho relevante
Um levantamento da Defensoria Pública do Rio de Janeiro mostrou que 60% dos casos de reconhecimento fotográfico equivocado em ambiente policial resultaram na decretação de prisão preventiva. O tempo médio de prisão dessas pessoas foi de 281 dias. Em 83% das situações, elas eram negras.

O tema não passa por atualização legislativa desde a promulgação do CPP, em 1941. A resolução do CNJ se alinha à jurisprudência recente do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual o procedimento definido pelo artigo 226 do CPP é obrigatório, e não recomendatório.

Em artigo publicado na revista eletrônica Consultor Jurídico, o juiz Luís Geraldo Lanfredi, auxiliar da Presidência do CNJ e coordenador do DMF, e o ministro Rogerio Schietti Cruz, do STJ, afirmam que as evidências científicas da Psicologia do Testemunho já "apontam fartamente a falibilidade da memória humana e sua suscetibilidade a inúmeras variáveis, que devem ser objeto de atenção e controle, sempre que possível, pelo Poder Judiciário".

Para os magistrados, o CNJ "assinala um importante passo na elevação do padrão de confiabilidade da prova de reconhecimento, o que milita para a qualificação da prestação jurisdicional e representa uma verdadeira conquista democrática".

Na sua visão, as ações institucionais do GT "vão contribuir para dignificar a atuação de magistrados e magistradas de todo o país, bem como ampliar a segurança da sociedade brasileira no Poder Judiciário, representando passo civilizatório decisivo para o fortalecimento do Estado democrático de Direito e das nossas instituições".

A defensora pública do Rio Caroline Xavier Tassara, que atua como assessora técnica do DMF, disse que a resolução e os demais trabalhos elaborados pelo GT "servem pra todos os atores, porque é de interesse comum que as regras sejam respeitadas". Segundo ela, "os parâmetros normativos valem pra todos. São as regras do jogo e que devem ser observadas".

Em outras palavras, o reconhecimento pessoal adequado não é de interesse somente dos suspeitos ou da defesa, mas de toda a sociedade e de todo o sistema de Justiça.

"Não interessa ao Ministério Público que um inocente seja condenado e que saia impune a pessoa que efetivamente cometeu o delito", afirma Caroline. O mesmo vale para o Judiciário, "porque o objetivo é uma prestação jurisdicional justa".

Clique AQUI para ler a coletânea de artigos científicos
Clique AQUI para ler o relatório final



Por José Higídio
Fonte: Conjur

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