A identificação pessoal do réu feita em juízo pelas vítimas "não é confiável" quando ela está "viciada pelo indutivo reconhecimento realizado em sede policial" e não é confirmada por qualquer outro meio de prova. Com essa fundamentação, a 12ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) absolveu por unanimidade um fotógrafo técnico pericial acusado de roubo a residência.
A juíza Patrícia Suárez Pae Kim, da 1ª Vara Criminal de Campinas, sentenciou o fotógrafo pericial a 15 anos, seis meses e vinte dias de reclusão, em regime inicial fechado, vedada a possibilidade de apelar solto. Como efeito da condenação, a julgadora decretou a perda do cargo de policial civil, conforme previsão do artigo 92, inciso I, letra "b", do Código Penal (pena superior a quatro anos).
Para o desembargador João Morenghi, relator do recurso de apelação, "restou patente que o reconhecimento inicial, realizado em sede policial apenas por meio fotográfico e sem o devido respeito à forma estabelecida no artigo 226 do Código de Processo Penal, influiu para que as vítimas voltassem a simplesmente confirmá-lo em juízo, uma vez que voltaram a ver a mesma pessoa, agora entre outras pessoas que nunca haviam visto".
Pela pesquisa do revólver, chegou-se ao nome do fotógrafo e a sua foto foi exibida isoladamente ao dono da casa, onde também estavam a sua mulher e as duas filhas menores do casal. Leão teve a prisão temporária decretada, que depois foi convertida em preventiva. Até ser cumprido o seu alvará de soltura por força do acórdão absolutório, ele ficou 461 dias encarcerado no Presídio Especial da Polícia Civil, em São Paulo.
Defendido pelos advogados Ivelson Salotto e João Francisco Soares, o recorrente nega o crime. Ele alegou que esqueceu o revólver no banheiro do Terminal Rodoviário do Tietê, em 2018, e não registrou boletim de ocorrência sobre o extravio porque na época prestava concurso público de agente da Polícia Federal e ficou receoso de que o episódio gerasse procedimento administrativo e o prejudicasse, caso fosse aprovado.
"A defesa produziu prova contundente a confirmar a hipótese de que o reconhecimento foi viciado, assim afastando a autoria delitiva por parte do apelante", frisou o relator. Análise do celular do réu, em especial do seu sistema de rastreamento por GPS, comprovou que o aparelho permaneceu na casa dele durante o momento do crime. Imagens de câmeras de segurança também o afastaram do local do roubo.
Uma dessas câmeras fica em frente ao consultório de uma terapeuta holística por quem o acusado foi atendido. O vídeo mostra o policial e a sua mulher se despedindo da profissional, às 21h41, no dia 8 de junho de 2021. A clínica fica em Ribeirão Preto, cidade situada a 220 quilômetros da casa roubada, em Campinas. Momentos depois, às 22h03, outra câmera registrou o casal chegando de carro em sua residência.
O segundo vídeo, de câmera vizinha ao endereço do recorrente, mostra a abertura do portão basculante da garagem para o ingresso do veículo. Ainda conforme a filmagem, o apelante apenas saiu imóvel no dia seguinte, às 9h02, para passear a pé com os seus cachorros. O carro do policial permaneceu na casa durante esse período. Laudo de perito oficial não detectou manipulação/adulteração dos vídeos analisados.
O relator manifestou maior surpresa com o fato de o ladrão "esquecer" o seu "instrumento de trabalho" no local que invadiu. "O acusado é policial civil, fotógrafo, portanto habituado com cenas de crime, o que causa ainda mais perplexidade que houvesse ele agido com tanto descuido. Convenhamos que isso é um pouco demais para merecer a credibilidade que recebeu".
Os desembargadores Paulo Rossi e Amable Lopez Soto seguiram o relator para absolver o acusado com fundamento no artigo 386, inciso IV, do CPP (estar provado que o réu não concorreu para a infração penal). Segundo o colegiado, "lamentavelmente desrespeitadas neste caso durante a fase inquisitiva", as normas do artigo 226 do CPP servem para evitar que as vítimas sejam induzidas a reconhecer pessoas inocentes.
Afastado da função desde que foi preso, o fotógrafo espera reassumi-la em breve. A perda do cargo decretada na sentença não chegou ser efetivada porque não houve tempo hábil entre essa decisão e o acórdão, que já transitou em julgado. Diagnosticado com estresse pós-traumático, ele está tomando remédios para ansiedade e depressão. "Esse episódio foi bastante desgastante. Tudo ficou invertido e tive que provar a minha inocência".
Processo 1512289-05.2021.8.26.0114
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