Não somente pelo auxilio ao serviço policial, o uso de bens apreendidos também é medida conveniente para a própria conservação do bem. O bem em uso pela polícia será muito melhor conservado do que parado em um deposito ou pátio, possivelmente sujeito às intempéries. Assim, caso eventualmente o bem seja restituído ao final do processo, se estivesse em uso, certamente estará em melhores condições do que se estivesse apenas guardado. Neste sentido a utilização de bens apreendidos por forças de segurança deve ser incentivada, sendo medida benéfica a toda sociedade e a todos envolvidos no processo criminal.
De fato, a legislação processual penal tem incentivado tal ação. A Lei 11.343/2006, em seu artigo 62, diz que, comprovado o interesse público, os órgãos de polícia judiciária, militar e rodoviária poderão fazer uso de bens apreendidos que estavam sendo utilizados para a prática do tráfico de drogas, mediante autorização judicial. De forma semelhante, o artigo 133-A do Código de Processo Penal também permite a utilização de bens apreendidos por órgãos de segurança pública, também mediante autorização judicial.
Ocorre que, apesar de a lei permitir a utilização dos bens por todos os órgãos de segurança pública, a representação pela utilização desses bens deve ser feita sempre pelo Delegado de Polícia, presidente dos autos vinculado ao bem apreendido. Assim, não cabe à Polícia Rodoviária Federal ou à Polícia Militar fazer pedido diretamente ao poder judiciário para utilização de bem apreendido.
O Delegado de Polícia é a única autoridade policial com capacidade postulatória perante o poder judiciário, tendo poder de representar por diversas medidas dotadas de reserva de jurisdição. O uso de bens por órgãos de segurança pública é mais uma dessas medidas, pois como já vimos, exige autorização judicial. Com efeito, as medidas cautelares patrimoniais no âmbito da Lei de Drogas, conforme artigo 60, podem ser determinadas pelo juiz a requerimento do Ministério Público ou do assistente de acusação, ou mediante representação da autoridade de polícia judiciária. Neste sentido, se cabe ao Delegado de Polícia a representação pela constrição de bens, também cabe a ele, no âmbito da polícia, a representação por sua destinação.
Além disso, cabe ressaltar que as apreensões feitas pelas policias ostensivas são precárias, devendo ser ratificadas pelo delegado de polícia quando da apresentação da ocorrência. Neste sentido o termo de apreensão será assinado pelo delegado e os bens ficarão vinculados a um procedimento de investigação da polícia judiciária. Assim, não faz sentido que um policial militar ou rodoviário federal possa pedir a utilização de um bem formalmente apreendido por outra autoridade e vinculado a um procedimento de outra instituição.
Cabe aqui relembrar um ponto básico mas importante, a polícia judiciária não recebe este nome atoa. Como o nome já diz, cabe à polícia judiciária, por meio do delegado de polícia, a interlocução com o poder judiciário, no âmbito de um processo de investigação que será ao fim levado ao conhecimento do poder judiciário. Neste processo, a polícia judiciária representa por medidas ao juiz, devendo, depois, cumprir tais determinações judiciais. A mesma lógica se aplica à representação pelo uso de bens apreendidos.
Entendo que o membro do Ministério Público, por possuir capacidade postulatória, pode também fazer o pedido de uso de bens apreendidos aos órgãos de segurança pública, porém sempre mediante prévia manifestação do delegado de polícia que apreendeu aquele bem, já que este se encontra sob sua esfera de responsabilidade.
Caso um policial militar, policial rodoviário federal ou mesmo agente de polícia represente pelo uso de bem apreendido, deve o juiz não conhecer do pedido, pois apesar destes terem interesse de agir, já que o bem pode ser usado por suas instituições, falta ao processo condição da ação, devido a ilegitimidade da parte, já que o bem se encontra apreendido por ordem de outra autoridade, bem como falta pressuposto processual, devido à falta de capacidade postulatória da parte requerente. Deve o juiz então intimar o Delegado de Polícia responsável pela apreensão para manifestação quanto à destinação do bem.
Conforme artigo 61 da Lei 11.343/2006 quando da apreensão de quaisquer bens ou objetos utilizados para o tráfico de drogas, deve a autoridade de polícia judiciária responsável pela investigação, ou seja, o delegado, informar o juízo competente. Este é o momento correto para que o delegado de polícia informe ao juízo se algum órgão de segurança pública tem interessa na utilização do bem. Caso contrário, o juiz determinará a alienação do bem apreendido, conforme prescreve o artigo 61, §1º.
Cabe ressaltar que, apesar de o delegado de polícia ser a autoridade policial com capacidade postulatória para representar em juízo pelo uso de bens apreendidos, isso não quer dizer que estes bens devem sempre ser destinados á polícia judiciária. Na verdade, trata-se apenas de incumbência institucional, derivada de suas funções de polícia judiciária, mas que deve ser levada a cabo sem favorecer indiscriminadamente sua própria instituição. Cabe ao delegado decidir, em conjunto com os outros órgãos policiais, quais bens devem ser destinados a quais instituições, visando sempre a melhor utilidade do bem e considerando também as necessidades de cada instituição no caso concreto. Neste sentido o delegado deve funcionar como um gestor desses bens apreendidos para a segurança pública, indicando ao juiz onde poderão ser melhor aproveitados.
Por Lucas Ferreira Dutra (Delegado de Polícia Federal)
Fonte: Conjur
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