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Com divergência, TJ-SP inicia julgamento sobre indulto a PMs do Carandiru

O Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo iniciou nesta quarta-feira (29/3) o julgamento de um incidente de arguição de inconstitucionalidade criminal suscitado pela 4ª Câmara de Direito Criminal contra o artigo 6º do Decreto 11.302/22, editado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, que concedeu indulto natalino aos policiais militares condenados pelo massacre do Carandiru.

Esse artigo concede perdão, ainda que de forma temporária, a agentes de segurança condenados por crimes cometidos há mais de 30 anos e que não eram considerados hediondos à época. O homicídio só passou a ser enquadrado como hediondo em 1994, depois da forte mobilização popular causada pelo assassinato da atriz Daniella Perez.

Em outubro de 1992, quando houve o massacre do Carandiru, só estupro, latrocínio e extorsão mediante sequestro eram considerados crimes hediondos. Ao julgar os recursos de policiais envolvidos no massacre, o relator na 4ª Câmara, desembargador Roberto Porto, verificou indícios de inconstitucionalidade e enviou o caso ao Órgão Especial.

No colegiado, o relator, desembargador Fábio Gouvêa, votou para acolher o incidente, reconhecendo a inconstitucionalidade do indulto. Segundo ele, o Supremo Tribunal Federal entende que o termo "graça", previsto no artigo 5º da Constituição, engloba indulto e comutação da pena, sendo de competência privativa do presidente da República.

No entanto, conforme o magistrado, a natureza hedionda do crime deve existir no momento da edição do decreto presidencial de indulto, e não na data do fato. Por isso, o decreto de Bolsonaro seria inconstitucional. O desembargador Damião Cogan divergiu e votou para rejeitar o incidente, determinando o retorno dos autos à 4ª Câmara para a continuidade do julgamento dos recursos dos policiais.

Para Cogan, o indulto de Bolsonaro é legal e está dentro da esfera de atribuição do presidente. "Se está buscando uma solução urgente, porque o decreto poderia descumprir recomendações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA para que o Brasil realize uma investigação completa, imparcial e efetiva sobre o Carandiru", disse ele.

Na visão de Cogan, o estado de São Paulo tomou todas as providências sugeridas no relatório da comissão e instaurou as investigações necessárias: "Referida comissão não pode censurar o país e não cabe a ela emitir juízo de valor sobre a prova colhida". Após o voto divergente, o desembargador Costabile e Solimene pediu vista.

Na 4ª Câmara
Em janeiro, a 4ª Câmara de Direito Criminal da corte paulista arguiu a inconstitucionalidade do artigo 6º, suspendendo o julgamento dos recursos dos policiais até a apreciação do incidente pelo Órgão Especial. Na ocasião, o desembargador Roberto Porto disse que, apesar de discricionário, o indulto deve se submeter não só ao texto constitucional, mas também aos tratados internacionais aos quais o Brasil aderiu.

"Impossível indulto para crime hediondo. Diante da vedação constitucional à concessão de indulto a crimes de natureza hedionda, cogita-se a inconformidade do decreto em comento com a ordem constitucional. Os delitos, se não considerados hediondos à época de seu cometimento, não estarão sujeitos às previsões mais gravosas estabelecidas por lei posterior."

Conforme Porto, não se trata de aferir a hediondez dos crimes específicos ligados ao massacre do Carandiru, mas, sim, a possibilidade da edição de um ato legislativo na contramão do contexto constitucional vigente, isto é, "de conceder-se indulto a crime que, na data da promulgação do ato, é considerado, e desde há muito, de natureza hedionda".

Para o magistrado, o fato de o decreto de Bolsonaro se enquadrar perfeitamente ao caso dos policiais envolvidos no massacre do Carandiru "levanta dúvida acerca da conformidade da benesse especificamente aos réus". "O caso julgado nestes autos relaciona-se com a observância do arcabouço dos direitos humanos pelo poder público, visto se tratar de ação de agentes públicos contra pessoas privadas de sua liberdade", ressaltou o desembargador.

Ainda segundo Porto, a inviabilização do julgamento dos PMs poderia configurar uma afronta ao direito à vida, à dignidade da pessoa humana e aos direitos humanos.

No STF
Também em janeiro, a ministra Rosa Weber, presidente do Supremo Tribunal Federal, suspendeu, em caráter liminar, trechos do indulto. A decisão terá validade até que o ministro Luiz Fux, relator sorteado, analise o tema. O Plenário também precisará legitimar outras decisões.

Para "evitar a consumação imediata de efeitos concretos irreversíveis" antes da análise definitiva de uma ação proposta pela Procuradoria-Geral de Justiça, e conferir "necessária segurança jurídica a todos os envolvidos", a ministra considerou prudente suspender os trechos do decreto que foram questionados pelo PGR, Augusto Aras.

A presidente lembrou que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA recomendou que o Brasil fizesse uma investigação completa, imparcial e efetiva sobre o massacre, pois o país teria violado direitos humanos e se omitido de punir os responsáveis. Para Rosa, o indulto "pode, em princípio, configurar transgressão às recomendações".

Processo 001721-84.2023.8.26.0000


Por Tábata Viapiana
Fonte: Conjur

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