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STF suspende julgamento de súmula sobre regime em caso de tráfico privilegiado

Um pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, suspendeu na sexta-feira (10/3) o julgamento de uma proposta de súmula vinculante que afastaria a fixação do regime mais severo permitido para a pena quando reconhecido o tráfico privilegiado — exceto se houvesse fundamentação nas especificidades do caso concreto.

A sessão virtual se estenderia até o fim da sexta. O enunciado foi sugerido em 2019 pelo ministro Dias Toffoli, que à época era presidente da corte.

O tráfico privilegiado é uma causa de diminuição de pena prevista na Lei de Drogas. Ele se aplica quando o agente é primário, tem bons antecedentes, não se dedica a atividades criminosas e não integra organização criminosa.

Justificativa
Em seu voto, Toffoli ressaltou que a determinação do regime inicial deve levar em conta a quantidade da pena imposta e as condições pessoais do condenado.

Quando o tráfico privilegiado é reconhecido e a pena-base é fixada no seu mínimo legal, todas as circunstâncias judiciais são favoráveis. Assim, para o magistrado, surge o direito ao regime aberto e à substituição da pena por medidas restritivas de direitos.

Na visão do ministro, causas de aumento de pena não são suficientes para se adotar o regime de cumprimento mais severo, pois não constituem circunstâncias judiciais (que são descritas no artigo 59 do Código Penal).

Toffoli ainda destacou que o STF vem concedendo diversos Habeas Corpus para fixar o regime aberto e substituir a pena por medidas restritivas de direitos em casos do tipo. Além disso, há uma quantidade expressiva de decisões semelhantes no Superior Tribunal de Justiça.

Em seu voto, o ministro lembrou de precedente no qual o STF reconheceu que o tráfico privilegiado não tem natureza hedionda. Segundo ele, isso "reforça ainda mais o constrangimento ilegal da estipulação de regime inicial de cumprimento de pena mais gravoso, em especial o fechado, quando ausentes vetores negativos na primeira fase da dosimetria da pena".

Contexto
O voto foi acompanhado pelos ministros Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes. Este último explicou que o Código Penal autoriza o regime aberto e a substituição da pena em condenações iguais ou inferiores a quatro anos. Essa é a duração de uma sanção quando o tráfico privilegiado é reconhecido e não existem circunstâncias judiciais negativas.

Gilmar lembrou que o Supremo já declarou inconstitucional a obrigatoriedade da fixação do regime fechado para início do cumprimento de pena decorrente de condenação por crime hediondo ou equiparado (HC 111.840).

Para burlar tal entendimento, tribunais deixaram de usar a expressão "hediondez" e passaram a dizer apenas que o único regime adequado ao tráfico de drogas é o fechado.

Porém, para o magistrado, "a gravidade em abstrato do crime não é justificativa legítima, especialmente diante de primariedade do paciente, reconhecida com a valoração positiva das circunstâncias judiciais".

Ele destacou a Súmula 718 da corte, segundo a qual a opinião do juiz sobre a gravidade do crime não justifica a aplicação de regime mais severo do que o permitido segundo a pena, e a Súmula 719, que exige motivação idônea nessas circunstâncias. Além disso, a corte já validou a conversão da pena em medida restritiva de direitos em casos de crimes hediondos ou equiparados.

Ainda assim, juízos inferiores descumprem tais precedentes. Conforme pesquisas trazidas aos autos, um dos principais motivos para concessão de HCs no STF e no STJ é a falta de motivação concreta para a imposição de regime prisional mais gravoso.

Divergências
O ministro Edson Fachin divergiu parcialmente e foi acompanhado pelos ministros Cármen Lúcia e Luiz Fux. Eles propuseram um acréscimo ao enunciado, pois ele não abordava o fator reincidência para desobrigar a fixação do regime aberto.

Segundo a alínea "c" do §2º do artigo 33 do Código Penal, o regime aberto deve ser fixado em caso de pena inferior a quatro anos se o réu não for reincidente. Para a substituição da pena, o impedimento é mais restrito: apenas em caso de reincidência específica.

Já o ministro Marco Aurélio, que se aposentou em 2021, votou contra a edição da súmula. O magistrado não verificou decisões suficientes da corte a ponto de formar uma jurisprudência sobre o tema. Para ele, tal medida, no campo penal, "há de ocorrer com a maior segurança possível". 

Além disso, Marco Aurélio considerou que o tráfico privilegiado "não repercute, diretamente, no regime de cumprimento". De acordo com ele, se a pena-base é estabelecida acima do mínimo previsto, devido a circunstâncias judiciais negativas, é viável o regime mais severo, mesmo que seja aplicada a minorante.

Clique aqui para ler o voto de Toffoli
Clique aqui para ler o voto de Gilmar
Clique aqui para ler o voto de Fachin
Clique aqui para ler o voto de Marco Aurélio
PSV 139



Por José Higídio
Fonte: Conjur

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