Pular para o conteúdo principal

STF decide se abordagem policial motivada por componente racial invalida provas

O Supremo Tribunal Federal pautou para a próxima quarta-feira (1º/3) o julgamento que decidirá se o chamado "perfilamento racial" invalida provas colhidas durante abordagem policial. 

O perfilamento acontece quando as buscas pessoais não são feitas a partir de evidências objetivas que apontem uma atitude suspeita, mas com base na raça, cor, descendência, nacionalidade ou etnicidade do alvo da abordagem. 

O caso concreto que motivou o julgamento envolve um homem negro condenado a quase oito anos de prisão por tráfico de drogas depois de ser flagrado com 1,53 gramas de cocaína. Embora a análise se dê em um Habeas Corpus, a decisão pode servir como um importante precedente sobre o tema.

Por isso, o ministro Edson Fachin, relator da matéria, admitiu que algumas entidades atuem como amicus curiae, entre elas o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), a Coalização Negra por Direitos, a Educafro e a Conectas Direitos Humanas. Ele também pediu preferência para esse julgamento, dada a "acentuada repercussão social" do tema. 

Pedro Henrique Pedretti Lima, da Defensoria Pública de São Paulo, atua no caso. Segundo ele, as provas colhidas são ilícitas porque a abordagem policial foi "baseada em filtragem racial". 

"É a primeira vez que o STF vai julgar um caso sobre o perfilamento racial. Além disso, o tema em si, que é o combate ao racismo, é importante e só recentemente ganhou visibilidade. A depender do resultado, a repercussão em outros processos pode ser muito relevante. Majoritariamente o sistema penal incide sobre a população pobre e negra, então devem ser estabelecidos limites quanto à atuação policial", disse o defensor à revista eletrônica Consultor Jurídico

"No ordenamento jurídico brasileiro — dos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário até a Constituição e legislações infraconstitucionais — existe o compromisso do Estado de combater o racismo. Se o perfilamento racial é uma prática constante das forças de segurança pública e é uma manifestação de racismo, então qualquer atuação no perfilamento viola todo esse conjunto de normas que impõe o combate ao racismo", concluiu Lima. 

Ao pedir o ingresso no julgamento como amicus curiae, o IDDD e a Coalizão Negra por Direitos afirmaram que o artigo 240 do Código de Processo Penal (CPP) determina que as abordagens policiais devem ser feitas quando houver "fundada suspeita" e que o Supremo precisa delimitar melhor o que pode ser considerado como "fundada suspeita", já que se trata de um termo genérico.

"O perfilamento racial das abordagens policiais — assim como os estereótipos socioeconômicos — é algo diuturnamente vivenciado pela população negra e mais pobre do Brasil", disseram as instituições ao Supremo. 

STJ
O caso foi analisado pela 6ª Turma do STJ antes de ir ao Supremo. Na ocasião, a Defensoria não citou o perfilamento racial. Em vez disso, pediu a aplicação do princípio da insignificância por causa da pouca quantidade de droga encontrada com o réu. 

Quem levantou o tema do perfilamento racial foi o ministro Sebastião Reis Júnior, relator da matéria no STJ. Ele afirmou que, ao que tudo indicava, a "fundada suspeita" dos policiais militares que fizeram a abordagem foi só a cor da pele do suspeito.

"Não se falou de altura, de fisionomia, se tinha cabelo, se tinha barba. A única referência era a pele negra. E a situação era de uma pessoa parada do lado de um carro", afirmou ele. "Para mim, ficou claro que o motivo da aproximação foi por se tratar de pessoa negra. Não tenho a menor dúvida disso."

Com base nesse argumento, o magistrado propôs que a abordagem fosse reconhecida, de ofício, como nula, uma vez que haveria manifesta ausência de fundada suspeita para justificar o procedimento. Consequentemente, os elementos probatórios cairiam também, levando à absolvição do réu.

A proposta, no entanto, não convenceu os demais ministros da 6ª Turma. Eles disseram que não era possível saber se a abordagem se deu exclusivamente em razão da cor da pele do réu. 

Ao levar o caso ao Supremo, a Defensoria mudou o enquadramento: em vez de pedir somente a aplicação da insignificância, introduziu os argumentos levantados por Sebastião Reis Júnior na análise da 6ª Turma. 

"Como bem percebido pelo ministro Sebastião Reis Júnior, a 'fundada suspeita' para a abordagem policial que deu azo à revista corporal e à apreensão da droga foi fundada essencialmente na cor da pele negra do suspeito, o que configura perfeito exemplo de perfilamento racial", diz o Pedro Henrique Lima. 

HC 208.240


Por Tiago Angelo
Fonte: Conjur

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Justiça Militar pode decretar perda de posto e patente por qualquer tipo de crime

A Justiça Militar, onde houver, ou o Tribunal de Justiça são competentes para decidir sobre a perda do posto e da patente ou da graduação da praça militar em casos de oficiais com sentença condenatória, independentemente da natureza do crime cometido.  O entendimento é do Supremo Tribunal Federal. O julgamento do plenário virtual, que tem repercussão geral reconhecida (Tema 1.200) ocorreu de 16 a 23 de junho. O ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, foi acompanhado por todos os demais integrantes da corte.  "Nada obsta ao Tribunal de Justiça Militar Estadual, após o trânsito em julgado da ação penal condenatória e por meio de procedimento específico, que examine a conduta do militar e declare a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças como sanção secundária decorrente da condenação à luz do sistema de valores e do código de ética militares", disse Alexandre em seu voto.  O tribunal fixou a seguinte tese: 1) A perda da graduação da praça pode

STJ vai reanalisar posição sobre salvo-conduto para produzir óleo de maconha

A 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça vai se debruçar sobre a necessidade de alterar a  recente posição  das turmas criminais da corte que tem assegurado a pessoas enfermas a possibilidade de plantar maconha e produzir óleo canabidiol em suas próprias casas. Essa posição foi construída pelo tribunal ao longo do ano passado. Em junho, a  6ª Turma  abriu as portas para a concessão de salvo-conduto em favor de pacientes que, em tese, poderiam ser processados por tráfico de drogas. A 5ª Turma  unificou a jurisprudência  em novembro. Em sessão da 5ª Turma nesta terça-feira (20/6), o ministro Messod Azulay, que não participou da formação desses precedentes porque só tomou posse no cargo em dezembro de 2022, propôs uma revisão da posição para tornar inviável a concessão de salvo-conduto. A proposta foi acompanhada pelo desembargador João Batista Moreira, que também não integrava o colegiado até fevereiro deste ano, quando foi convocado junto ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região para

Goiânia: Anulação de Casamento - Esposa Grávida e Marido Virgem!!

Marido virgem anula casamento com a mulher grávida A juíza Sirlei Martins da Costa, da 2ª Vara de Família e Sucessões de Goiânia, julgou procedente o pedido de anulação de casamento realizado por um rapaz recém-casado. O autor da ação alega que, embora não mantivesse relações sexuais com a então noiva, descobriu, durante a lua-de-mel, que a esposa estava grávida. Citada na ação, a esposa contestou a alegação do marido. Durante a audiência, porém, reconheceu os fatos, dizendo que, durante o namoro, era seguidora de uma igreja evangélica. Disse que, com base em sua crença religiosa, convenceu o noivo de que não podia manter relações com ele antes do casamento. Ainda de acordo com a mulher, ela casou-se grávida, mas só descobriu a gravidez durante a lua-de-mel, e assumiu que o marido não podia ser o pai. Para a juíza, o depoimento pessoal da mulher é prova da existência de um dos requisitos para a anulação do casamento. A juíza determinou a expedição de documentos necessários para que