O Legislativo tem competência para criar lei que buscar concretizar direitos fundamentais sem criar despesas ou órgãos da estrutura do Executivo. Com esse entendimento, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça fluminense negou, na última segunda-feira (30/5), representação de inconstitucionalidade contra da Lei municipal 6.350/2018, do Rio de Janeiro.
A norma instituiu a Política Municipal para a População em Situação de Rua e criou o Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Municipal para a População em Situação de Rua.
A Prefeitura do Rio argumentou que a instituição de política pública é matéria de iniciativa privativa do Executivo, a quem compete dispor, com exclusividade, sobre os planos e programas municipais.
Em defesa da lei, a Câmara Municipal sustentou que ela criou regras gerais de proteção da população em situação de rua, sem interferir na estrutura e atribuição dos órgãos cariocas.
O relator do caso, desembargador Werson Rêgo, apontou que, de acordo com o artigo 22, XXIII, da Constituição Federal, compete privativamente à União legislar sobre seguridade social. Tal tema, nos termos do artigo 194, compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social, explicou.
A Lei Orgânica da Assistência Social (Lei 8.742/1993) estabelece que União, estados e municípios devem fixar suas respectivas políticas de assistência social, observados os princípios e diretrizes nela fixados. O Decreto 7.053/2009, que instituiu a Política Nacional para a População em Situação de Rua e seu Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento, determinou que os entes que aderirem a tal programa devem instituir comitês gestores intersetoriais, integrados por representantes das áreas relacionadas ao atendimento da população em situação de rua, com a participação de fóruns, movimentos e entidades representativas desse segmento da população.
Para o magistrado, a Lei carioca 6.350/2018 está em harmonia com a legislação federal sobre assistência social.
Rêgo também avaliou que a Constituição do Rio de Janeiro estabelece a competência privativa do chefe do Executivo para propor leis sobre organização e funcionamento da administração pública e regime jurídico de servidores, mas não para sugerir normas sobre políticas, planos e programas de interesse público.
O desembargador mencionou o Tema 917 de repercussão geral do Supremo, que tem o seguinte enunciado: "Não usurpa competência privativa do chefe do Poder Executivo lei que, embora crie despesa para a administração, não trata da sua estrutura ou da atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de servidores públicos (artigo 61, parágrafo 1º, II, "a", "c" e "e", da Constituição Federal)".
"A legislação municipal impugnada, além de não gerar despesa para o Poder Executivo, não cria ou extingue cargos, funções ou empregos públicos, e não lhes fixa a respectiva remuneração; não cria ou extingue secretarias e órgãos da administração pública; não dispõe sobre servidores públicos civis ou militares, ou sobre os respectivos regimes jurídicos. Enfim, em nada interfere na estrutura ou na atribuição dos órgãos da administração pública", opinou o relator, citando que a norma não afirma que o Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Municipal para a População em Situação de Rua fica na estrutura do Executivo.
Além disso, Rêgo declarou que a lei se limitou a garantir à população em situação de rua os direitos sociais já previstos no artigo 6º da Constituição Federal.
“A tradicional disputa sobre a divisibilidade ou indivisibilidade do poder, do que resulta o princípio da separação dos poderes, diz com a exata delimitação das funções típicas dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Nada obstante, quando se está diante de direitos fundamentais da pessoa humana, independem estes da vontade do poder político, pelo que devem não apenas ser respeitados, senão, também, protegidos pelo próprio poder político. Em situações tais, antes de se falar em separação, dever-se-ia cogitar de cooperação e interação entre os poderes”, opinou o magistrado.
Por Sérgio Rodas
Fonte: Conjur
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